segunda-feira, 20 de fevereiro de 2012

Artigo Direitos Fundamentais- Jade Chaia


ALIENAÇÃO PARENTAL UMA FORMA DA LEI TUTELAR E PROTEGER A DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA



Este artigo aborda o direito fundamental da criança e do adolescente até mesmo dentro do convívio familiar, como forma do Estado proteger a família, bem como todos seus integrantes de qualquer tipo de lesão, ou praticas condenadas pela infringência dos princípios da dignidade da pessoa humana.

Uma vez que com a prática da alienação parental o convívio familiar acaba se rompendo e através de tutela é protegida por leis, como a Lei 12.318/2010 que regulamenta a alienação parental,  a CF/88 e seus princípios basilares do bom e do justo, o ECA/90, Estatuto da Criança e do Adolescente, que  procura assegurar  todos esses direitos essenciais para a criança e ao adolescente.

1.       PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA



Com a evolução da humanidade, principalmente após o marco da Segunda Guerra Mundial, em que ocorreram práticas de atrocidades cruéis com pessoas como se fosse algo normal, foi dessa forma que o ser humano se conscientizou que deveriam existir novas regras que respeitassem o direito do individuo acima do direito do Estado.



A partir de então, foi realizada uma reformulação do direito positivo de Kelsen, no qual tudo era em torno das leis, trazendo ao âmbito jurídico o valor da dignidade da pessoa humana, ou seja, a lei cedeu espaço para os princípios e que nenhuma ação poderia ser incongruente com os direitos fundamentais do ser humano.



Com uma grande carga axiológica, o princípio da dignidade da pessoa humana volta-se para a filosofia com um conteúdo ético, que procura respeitar a autonomia da vontade (cada qual decide o rumo de sua vida, exerce sua vontade); respeitar a integridade física e moral; não coisificação do ser humano; valor intrínseco (é inerente de cada um, valor inviolável desde o nascimento); mínimo existencial.



Segundo o filósofo Immanuel Kant (1785, Parte I), toda pessoa, todo ser racional existe como um fim em si mesmo, e não como meio para uso arbitrário pela vontade alheia.

Mas a essência do principio da dignidade da pessoa humana para alguns estudiosos tem base no principio do direito natural, esse conjunto de regras que são inatas na natureza humana, e por elas se rege a fim de agir com  retidão, e cujos preceitos são universais e imutáveis no tempo e no espaço.



1.1  DIREITOS FUNDAMENTAIS



Os direitos fundamentais são considerados valores básicos existente para regular a vida dignamente em sociedade, abrangendo em seu aspecto material a ética e no aspecto formal a norma. Segundo o professor George Marmelstein (2008, p.20) define o direito fundamental:





“São normas jurídicas, intimamente ligadas à idéia de dignidade da pessoa humana e de limitação do poder, positivadas no plano constitucional de determinado Estado Democrático de Direito, que, por sua importância axiológica, fundamentam e legitimam todo o ordenamento jurídico.”



Com a promulgação da Constituição Federal de 1988 foram reconhecidos os direitos fundamentais e estruturados no título II. A partir desse reconhecimento como norma constitucional realçou sua força normativa.



Garantindo assim sua máxima efetivação de aplicabilidade imediata, entretanto nesse extensivo rol  disposto no Art. 5º não foram englobados todos os direitos fundamentais existe direitos implícitos aliados a previsão da cláusula de abertura que permite que novos direitos sejam alcançados e defendidos.



.1.1.1 DIREITO FUNDAMENTAL DE CONVIVÊNCIA FAMILIAR SAUDÁVEL



Como é possível se definir por um direto de convivência familiar , quando se sabe que é assegurado pela Constituição Federal de 1988 no Art. 227 e que é direito personalíssimo e inalienável, entretanto  a interpretação mais próxima desse direito fundamental, segundo a religiosa Maria do Rosário Leite Apud Machado (2003, p.155) em suas anotações expõe que:



Não basta pôr um ser biológico no mundo, é fundamental complementar a sua criação com a ambiência, o aconchego, o carinho e o afeto indispensáveis ao ser humano, sem o que qualquer alimentação, medicamento ou cuidado se torna ineficaz [...]. A família é o lugar normal e natural de se efetuar a educação, de se aprender o uso adequado da liberdade, e onde há a iniciação gradativa no mundo do trabalho. É onde o ser humano em desenvolvimento se sente protegido e de onde ele é lançado para a sociedade e o universo [...].”





Com isso identifica-se que é no âmbito familiar que o individuo vai modelar sua personalidade, sua maturidade e estabilidade para lidar com o mundo fora do ambiente familiar.



A criança e adolescente criarão laços culturais, sociais, políticos, que servirão de base para toda a sua vida futura em sociedade, sendo assim essa relação deve ser munida de afeto, carinho, pois evitará ou minimizará os conflitos que poderão acontecer em seu crescimento.

  

2-      ALIENAÇÃO PARENTAL E O CONFLITO COM O DIREITO DE CONVIVÊNCIA FAMILIAR SAUDÁVEL



                 A existência de um conflito familiar ocorre quando se detecta algum sintoma de alienação parental, que inicia geralmente com a mudança de comportamento da criança ou do adolescente em seu meio social, ou seja escolar, ou roda de amigos, onde começa a apresentar comportamento agressivo, ou depressivo, que antes do processo de alienação familiar não existia.



Com a entrada em vigor na SAP, essa interferência estatal se apresenta e coloca a família alienada sob proteção da Lei 12.318/2010 que dispõe sobre Alienação Parental,  e que no Art. 2º define:

Considera-se ato de alienação parental a interferência na formação psicológica da criança ou do adolescente promovida ou induzida por um dos genitores, pelos avós ou pelos que tenham a criança ou adolescente sob a sua autoridade, guarda ou vigilância para que repudie genitor ou que cause prejuízo ao estabelecimento ou à manutenção de vínculos com este.

Parágrafo único. São formas exemplificativas de alienação parental, além dos atos assim declarados pelo juiz ou constatados por perícia, praticados diretamente ou com auxílio de terceiros:

I - realizar campanha de desqualificação da conduta do genitor no exercício da paternidade ou maternidade;

II - dificultar o exercício da autoridade parental;

III - dificultar contato de criança ou adolescente com genitor;

IV - dificultar o exercício do direito regulamentado de convivência familiar;

V - omitir deliberadamente a genitor informações pessoais relevantes sobre a criança ou adolescente, inclusive escolares, médicas e alterações de endereço;

VI - apresentar falsa denúncia contra genitor, contra familiares deste ou contra avós, para obstar ou dificultar a convivência deles com a criança ou adolescente;

VII - mudar o domicílio para local distante, sem justificativa, visando a dificultar a convivência da criança ou adolescente com o outro genitor, com familiares deste ou com avós.

Mais precisamente Maria Berenice Dias (2010, p.16) esclarece sobre o tema da Alienação Parental, como atos que desencadeiam verdadeira campanha desmoralizadora para afastar a criança do outro cônjuge, que pode ser o genitor ou a genitora alienante.



Após esses esclarecimentos chega-se ao ponto primordial deste artigo, no qual a prática da alienação parental conflita com o direito de convivência familiar saudável.



No âmbito familiar, quando a separação do casal não é aceita muito bem por parte de um deles, por diversos fatores que levam a criar uma relação de ódio, vingança, inicia-se então o processo de destruição, afastamento do “responsável” pela separação para com os filhos do casal.



A partir daí, os filhos, vítimas, se tornam objetos do genitor alienante, assim denominado por praticar os atos da alienação, para se vingar do genitor alienado, afetado pelos atos imprudentes do alienante.

Além do rompimento do vínculo conjugal, acaba também rompendo a relação entre a criança e o alienado, que se torna mais destrutiva ainda, pois esse afastamento continua crescendo em outros aspectos, como a mudança de residência do alienado, dentre outras dificuldades apresentadas no caminho.



Seus efeitos são tão nefastos e incidem diretamente  na pessoa dos filhos, produzindo sequelas e consequências arrasadoras, que se não adequadamente tratadas subsistirão para toda sua vida, que poderão ser repetidas em uma futura relação amorosa.



Sob esse aspecto nota-se o descumprimento de uma norma constitucional, direito fundamental da criança e do adolescente, por parte de um dos genitores ou por ambos, no qual foram incumbidos de assegurá-lo prioritariamente conforme Art. 227º da CF/88:



É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. 



Fica evidente que no conflito entre a prática da alienação parental com o direito de convivência familiar saudável, deve ser assegurado esse direito, pois a constituição está no topo da pirâmide das leis, ela é a suprema e todos devemos respeitá-la.



CONSIDERAÇÕES FINAIS



Por mais que a Constituição Federal e o Estatuto da Criança e do Adolescente possam assegurar como direito inviolável, a prática da Alienação Parental , o entendimento é que a legislação não conseguia o amparo necessário juridicamente para assegurar esse direito essencial de uma convivência saudável entre ambos os genitores mesmo após término do vínculo conjugal, de modo a identificar com mais eficácia e agilidade essa maldade para evitar maiores danos.



Com a promulgação da Lei 12.318/2010, possibilitou maior efetividade na atuação do Poder Judiciário, através de mecanismos que coibirão sua prática e até mesmo aplicarão penalidades a qualquer um dos genitores que ousar impedir o convívio da criança e adolescente com o outro através de estratégias maquiavélicas que venham a causar danos no desenvolvimento emocional e psíquico, bem como medidas provisórias necessárias para preservar a integridade psicológica e a formação ético-moral da criança ou do adolescente.



Jade Chaia

Acadêmica Pesquisadora



                                                     REFERÊNCIAS



KANT, Immanuel – Fundamentação da metafísica dos costumes, 1785, Parte I Dignidade como valor absoluto da pessoa.



MARMELSTEIN, George – Curso de Direitos Fundamentais, 2008, 1. Teoria dos Direitos Fundamentais, Editora Atlas.



BARROSO, Luis Roberto – A Dignidade da pessoa humana no Direito Constitucional Contemporâneo: natureza jurídica, conteúdos mínimos e critérios de aplicação.




OLIVEIRA, Gabriela Brant de – O direito à convivência familiar de crianças e adolescentes acolhidos – o MCA como instrumento efetivo para implementação deste direito.




DIAS, Maria Berenice – Incesto e Alienação Parental Realidades que a Justiça insiste em não ver – 2010, 2ª Edição, Editora Revista dos Tribunais.

quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012

A SEPARAÇÃO CONJUGAL E A SÍNDROME DE ALIENAÇÃO PARENTAL



Atualmente a frase “até que a morte nos separe” não é seguida a risca como antigamente na época dos nossos avos, porque viviam em um mundo jurídico e social diferente em todos os sentidos, seja moral, ético, comportamental, onde a formação de uma nova família, era motivo de preparo para assumir em conjunto a formação de uma nova família.
Claro que calcada nos ensinamentos religiosos, que eram seguidos para que o casal fosse abençoado com uma vida amorosa plena e muitos filhos.
Ocorre que as separações conjugais estão mais freqüentes do que nunca, juntamente com o surgimento da possibilidade de separação do casal, e até a entrada em vigor da nova Lei do Divórcio, que propicia ao jovem casal, casar em um dia e divorciar após 24 horas, voltando a serem solteiros novamente.
Essa nova postura social e jurídica frente a formação de uma família, com toda facilidade, tanto quanto de sua dissolução, se vê surgir alguns problemas, que no passado não eram sonhados, que é a grande disputa pela guarda dos filhos menores
Porque com a dissolução do casamento, a guarda dos filhos fica via de regra, a cargo de um dos ex-cônjuges ou de terceiros, o que, naturalmente, afasta-os do outro genitor e dá brecha para que haja uma indução de formação psicológica para que o afaste, repudie ou prejudique os vínculos com o alienado.
A preocupação seja do legislador, dos operadores do direito ou dos julgadores é no sentido que a criança ou o adolescente deve ser protegida, no caso de ter a desaprovação de um dos genitores por parte do outro, é o que a leva a ser induzida e ser vítima da Síndrome de Alienação Parental (SAP), também conhecida como “Implantação de Falsas Memórias”.
A Lei nº 12.318/2010 foi promulgada para regulamentar a alienação parental, e define a SAP como a interferência na formação psicológica da criança ou adolescente, promovida e até induzida por um dos genitores, pelos avós e pelos que tenha a criança ou adolescente sob sua autoridade, guarda , vigilância, para que repudie o genitor ou que cause prejuízos ao estabelecimento e até a manutenção de vínculos amorosos e fraternos com este.
Ensina Maria Berenice Dias que[1]:
 Essa pratica que sempre existiu só agora passou a receber a devida atenção. Com a nova formação dos laços familiares, os pais tornaram-se mais participativos e estão muito mais próximos dos filhos. E, quando da separação, desejam manter de forma mais estreita o convívio com eles. Não mais se contentam com visitas esporádicas e fixadas de forma rígida. A busca da mantença do vinculo parental mais estreito provoca reações de quem se sentiu preterido.
O assunto vem sendo discutido no meio jurídico por dar margem a falsas denuncias de abuso sexual e o incesto e o mito da família feliz, o mundo jurídico ainda esta andando bem lentamente com relação a denuncia de abuso sexual, mas a maquina judicial já se encontra pronta e alicerçada na nova lei, para coibir e sancionar os abusos que possam ser cometidos em desfavor da criança ou do adolescente mesmo no seio da família.
A jurisprudência que se colaciona atualmente sobre a SAP, é no sentido que os auxiliares da justiça, seja as psicólogas e assistentes sociais só devem acompanham  caso de alienação parental quando envolver denuncia de abuso sexual.
Até mesmo nos casos em que há apenas indícios de alienação parental , estes casos devem ter também o acompanhamento de psicóloga e assistente social, para auxiliar o juiz a diagnosticar se a criança esta mesmo sendo usada pelo genitor e ajudar a criança alienada a tratar esse trauma, para que essa criança não se torne um problema no futuro, e apresente sintomas de agressão, depressão, ansiedade, socialização e outros, e que isso não influa em sua vida futura, e não possa se tornar mais um adulto infeliz  nesse mundo.

Sonia Cristina Maidana da Silva
Acadêmica Pesquisadora



¹ DIAS, Maria Berenice. Incesto e Alienação Parenta. 2.ed. Rev. Atual.. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011.p.15.

terça-feira, 14 de fevereiro de 2012

Artigo Cientifico

A SÍNDROME DE ALIENAÇÃO PARENTAL E O DESPERTAR DA LEI PARA ESSA NOVA FORMA PERVERSA DE AGIR


INTRODUÇÃO

A partir do mês de agosto do ano de 2010 passou a vigorar em nosso ordenamento jurídico a lei que dispõe sobre a Alienação Parental.

Com esta nova regra inserida no nosso sistema Judiciário, percebe-se claramente a preocupação do legislador com esta pratica repudiável praticada por quem deveria proteger contra aquele que não possui defesa, tanto física como psicológica.

1 A SÍNDROME DA ALIENAÇÃO PARENTAL: CONCEITO

A Síndrome da Alienação Parental (SAP), conforme dita a Lei nº 12.318 de 26 de Agosto de 2010 no Artigo 2º, que é “a interferência na formação psicológica da criança ou do adolescente promovida ou induzida por um dos genitores, pelos avós ou pelos que tenham a criança ou adolescente sob a sua autoridade, guarda ou vigilância”.

Com isso pode-se inferir que a Alienação Parental é a influência que um dos genitores, devido possuir a guarda ou vigilância do filho, exerce sobre sua prole na intenção de denegrir a imagem do outro.

Em geral, esta pratica esta relacionada às desavenças existentes no casal durante o processo de separação, prolongando-se com a disputa judicial da guarda dos filhos.

É nesta fase em que a criança esta sujeita a ser alienada por seu genitor, pois é uma forma encontrada por este para que se possam auferir vantagens no processo de divorcio.

2 “O OLHAR” DA LEI SOBRE ESTA PRÁTICA PERVERSA

Há anos o judiciário brasileiro procura formas de contornar, ou pelo menos reduzir, a Alienação Parental. Tem-se seu início com a regulamentação da guarda compartilhada em 2008, que já era praticada antes mesmo da regulamentação.
No entanto, a guarda compartilhada ainda não tem sua total abrangência devido a cultura social em que vivemos como afirma o psicanalista, advogado e presidente do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM), Rodrigo da Cunha Pereira, “a guarda materna ainda está enraizada em nossa sociedade”.

Contudo já se demonstra com a regulamentação da lei da Alienação Parental que a sociedade brasileira não aceita os atos praticados pelos pais face seus filhos, que vale ressaltar é em sua maioria menores de idade.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A Lei Nº 12.318/10 aparece como uma ferramenta judicial na busca por assegurar os direitos daqueles tutelados pelo Estado.

A Alienação Parental surge como uma prática da sociedade moderna, uma vez que é com a sociedade moderna que aumenta consideravelmente o número de casais que resolvem se separar.

Como forma de se reprimir esta prática surge no ordenamento jurídico brasileiro instrumentos com os quais se podem reduzir a frequência destas ações.
Felipe Gustavo Braiani Santos
Acadêmico Pesquisador

sexta-feira, 10 de fevereiro de 2012

SAP - JURISPRUDÊCIA COM REVERSÃO DE GUARDA EM FAVOR DO PAI


AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE ALTERAÇÃO DE GUARDA DE MENOR. DECISÃO QUE RESTABELECEU AS VISITAS PATERNAS COM BASE EM LAUDO PSICOLÓGICO FAVORÁVEL AO PAI. PREVALÊNCIA DOS INTERESSES DO MENOR.

Ação de alteração de guarda de menor em que as visitas restaram reestabelecidas, considerando os termos do laudo psicológico, por perita nomeada pelo Juízo, que realizou estudo nas partes envolvidas.

Diagnóstico psicológico constatando indícios de alienação parental no menor, em face da conduta materna.
Contatos paterno filiais que devem ser estimulados no intuito de preservar a higidez física e mental da criança.

Princípio da prevalência do melhor interesse do menor, que deve sobrepujar o dos pais.
NEGARAM PROVIMENTO AO AGRAVO DE INSTRUMENTO.





AGRAVO DE INSTRUMENTO
SÉTIMA CÂMARA CÍVEL
Nº 70028169118
COMARCA DE NOVO HAMBURGO
V.O.
.. AGRAVANTE
H.N.G.
.. AGRAVADO

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos.
Acordam os Magistrados integrantes da Sétima Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado, à unanimidade, em negar provimento ao agravo de instrumento.
Custas na forma da lei.

Participaram do julgamento, além do signatário, os eminentes Senhores DES. SÉRGIO FERNANDO DE VASCONCELLOS CHAVES (PRESIDENTE) E DR. JOSÉ CONRADO DE SOUZA JÚNIOR.

Porto Alegre, 11 de março de 2009.


DES. ANDRÉ LUIZ PLANELLA VILLARINHO,
Relator.



RELATÓRIO
DES. ANDRÉ LUIZ PLANELLA VILLARINHO (RELATOR)
Trata-se de agravo de instrumento interposto por Viviane Oppitz, contra a decisão de fls. 12, que revogou a decisão exarada às fls. 83/84, reconsiderando a decisão que suspendeu as visitas do genitor ao infante.

Sustenta a recorrente em suas razões, que a decisão recorrida apoiou-se em conclusões observadas no laudo pericial elaborado pela psicóloga Simone Angélica Luz, que termina por recomendar o restabelecimento das visitas paternas e sugere tratamento psicológico da agravante e continuação do acompanhamento psicopedagógico e fonoaudiológico do menor. Informa que em 30/12/03, após a separação, os litigantes celebraram acordo judicial, em que ficaram estabelecidas obrigações e deveres de cada um em relação ao filho Luciano. Ressalta que após, o recorrido promoveu o feito de alteração de guarda do filho, renovando as queixas que se apresentam desde a separação do casal. Destaca a peça de reconvenção, em que relata as queixas do infante quanto ao comportamento paterno. Refere o Estudo Social a cargo da Assistência Social do Juizado, datado de 09/04/08, contendo entrevista da agravante, do menor e visita domiciliar. Ressalta as informações do Serviço de Psicologia da FEEVALE, que vinha realizando tratamento no menor, que embasaram e decisão que suspendeu liminarmente as visitas do pai ao petiz, bem como o Relatório Psicológico firmado pela psicóloga do Centro Integrado de Psicologia da FEEVALE e pelo Coordenador do Centro, em que se encontram queixas de Luciano em relação ao pai. Arremata alegando que a motivação da decisão recorrida amparou-se em apenas uma avaliação psicológica, contrapondo-se às constatações de profissionais da área vinculados à FEEVALE e do Conselho Tutelar, acusando àquele de não merecer credibilidade. Pugna pela suspensão dos efeitos da decisão recorrida e pelo provimento do recurso.

Despacho, fls. 94, indeferindo o efeito suspensivo perseguido.
Contra-razões, fls. 100/102, requerendo seja mantida a decisão recorrida, ressaltando que o laudo que embasa a mesma, estudou as três partes envolvidas no processo, ao contrário dos demais, em que sequer o agravado foi ouvido. Informa que a recorrente responde a dois processos movidos pelo recorrido: um criminal e outro cível; o crime por falsificação de documento que juntou aos autos do processo de revisão de alimentos, e o cível, de indenização por danos morais, por haver acusado o agravado, de valer-se de forma fraudulenta, de plano de saúde empresarial. Requer seja desprovido o recurso.

O Ministério Público, representado pela eminente Procuradora de Justiça, Dra. Eva Margarida Brinques de Carvalho, opinou pelo conhecimento e desprovimento do agravo.

É o relatório.

VOTOS
DES. ANDRÉ LUIZ PLANELLA VILLARINHO (RELATOR)
Cuida-se de agravo de instrumento interposto por Viviane Oppitz, contra a decisão de fls. 12, que revogou a decisão exarada às fls. 83/84, reconsiderando a decisão que suspendeu as visitas do genitor ao infante, fixando-as nos mesmos moldes anteriores, das 18:00hs de sexta-feira até 9:00hs de domingo.

Em suas razões, a recorrente sustenta que a decisão recorrida apoiou-se apenas nas conclusões do laudo pericial elaborado pela psicóloga Simone Angélica Luz, que recomenda o restabelecimento das visitas paternas, sugere tratamento psicológico da agravante e continuação do acompanhamento psicopedagógico e fonoaudiológico do menor. Destaca a peça de reconvenção, em que relata as queixas do infante quanto ao comportamento do pai. Ressalta o Estudo Social a cargo da Assistência Social do Juizado, datado de 09/04/08, contendo entrevista da agravante, do menor e visita domiciliar, e as informações do Serviço de Psicologia da FEEVALE, que vinha realizando tratamento no menor, e embasaram decisão que suspendeu liminarmente as visitas do pai ao petiz, bem como o Relatório Psicológico firmado pela psicóloga do Centro Integrado de Psicologia da FEEVALE e pelo Coordenador do Centro. Alega que a motivação da decisão recorrida contrapôs-se às constatações de profissionais da área vinculados a FEEVALE e do Conselho Tutelar, acusando o laudo de fls. 185/202 de não merecer credibilidade.

Pelo exame dos autos, verifica-se que o embate no que diz com as visitas e ora, com a guarda do menor Luciano, de apenas 08 anos de idade, data desde a separação do casal, nos idos de 2003, quando o infante possuía apenas 05 anos de idade e, certamente, vem comprometendo seu bem estar, sua higidez física e mental, considerando-se que há relato de comprometimento do petiz nessa área, independente das desinteligências entre seus progenitores, que, por evidente, só fazem por piorar ainda mais a situação do próprio filho.

Feitas essas considerações e comungando do entendimento pacificado nesta Corte, no sentido de que os interesses do menor devem prevalecer independentemente do interesses dos pais, acolho na íntegra, o bem lançado parecer da eminente Procuradora de Justiça, Dra. Eva Margarida Brinques de Carvalho, de fls. 126/131, por exprimir meu exato entendimento, passando a transcrevê-lo em parte, modo evitar fastidiosa tautologia, in litteris:

“[...]
A pretensão da agravante não merece guarida, porquanto com muita propriedade foi mantido o direito do genitor de visitar o filho na forma originalmente acordada pelos litigantes, com suporte no laudo psicológico elaborado pela profissional Simone Angélica Luz, cuja conclusão merece ser transcrita na íntegra (fl. 29):
‘Hugo parece estar ciente das suas funções paternas, porém não está convencido, diante de tantas histórias maldosas a seu respeito de que Luciano terá uma vida saudável ao lado da mãe e a devida assistência que precisa. Questiona pois é uma mãe que está colocando o filho contra o próprio pai. Percebe-se que Viviane tem dispensado os cuidados básicos com o menino, mas tem a maternagem atravessada pelas normas e condutas de seus pais. Os dados levantados através dessa testagem não trazem elementos que comprovem as acusações que desabonam a capacidade paterna. O pai é pessoa íntegra e apresenta-se de forma coerente e equilibrada.

Entretanto, Viviane parece ter medo de perder o afeto do filho quando este demonstrou muito carinho e desejo de permanecer mais tempo com o pai, vêm num processo de afastamento do menor de seu genitor, pela síndrome de alienação parental, e dessa forma, vêm pondo em risco a saúde psicológica do mesmo, que já apersenta conseqüências da referidaa lienação. Segundo os estudos achados de Gardner, Luciano estaria em estágio médio com alguns indicativos de estágio avançado. Neste caso, sugere-se a busca de um tratamento da genitora alienadora para desmitificar as crenças infundadas sob o risco de perder efetivamente o poder familiar. É preciso ressaltar a necessidade de retornar os horários de visitas ao pai, bem como da possibilidade de ampliar contatos com este que por hora se apresenta mais coerente e estável emocionalmente.

Sugere-se reavaliação após período de acompanhamento psicológico. Sugere-se também, que sejam mantidos os acompanhamentos psicopedagógicos e fonoaudiológicos do menino’.’
Neste contexto, indubitável que a pretensão da agravante é afastar o convívio do filho em relação ao genitor, sendo absolutamente idôneo e confiável o relatório da profissional de confiança do juízo, nomeada sob compromisso nos autos, sendo que deste laudo a agravante teve plena ciência.

Igualmente, a avaliação elaborada por profissionais da Feevale foi unicamente feita a pedido da agravante junto ao Centro Integrado de Psicologia, ou seja, apresentado de forma unilateral, merecendo respaldo a avaliação judicial supracitada. Além disso, o Estudo Social foi realizado tão-somente com a genitora e o filho, não podendo ser desconsiderada a conclusão da profissional nomeada pelo juízo, mormente quando há indícios suficientes nos autos para corroborar as falsas assertivas da agravante contra o genitor.

Infelizmente, a conduta da mãe, ora recorrente, vai de encontro ao interesse do próprio filho, em desfrutar da companhia do seu pai, e contribuir no seu desenvolvimento de forma saudável, ainda mais por ser uma criança com dificuldades de falar e andar, necessitando de cuidados singulares.

Inclusive, a respeito da controvérsia, com muita propriedade esclarece o insigne doutrinador Paulo Lôbo, sendo oportuno trazer à baila seus ensinamentos:
‘O direito de visita ao filho do genitor não guardião é a contrapartida da guarda exclusiva. Seu exercício depende do que tiverem convencionado os separandos ou divorciandos, ou do modo como decidido pelo juiz. Constitui a principal fonte de conflitos entre os pais, sendo comuns as condutas inibitórias ou dificuldades atribuídas ao guardião para impedir ou restringir o acesso do outro ao filho. Muito cuidado deve ter o juiz ao regulamentar o direito de visita, de modo que não prevaleçam os interesses dos pais em detrimento do contato permanente com ambos.’

[...]
3. Em razão do exposto, o Ministério Público opina pelo conhecimento e, no mérito, pelo desprovimento do agravo.”



Isto posto, nego provimento ao agravo de instrumento.



DR. JOSÉ CONRADO DE SOUZA JÚNIOR - De acordo.
DES. SÉRGIO FERNANDO DE VASCONCELLOS CHAVES (PRESIDENTE) - De acordo.

DES. SÉRGIO FERNANDO DE VASCONCELLOS CHAVES - Presidente - Agravo de Instrumento nº 70028169118, Comarca de Novo Hamburgo: "NEGARAM PROVIMENTO AO AGRAVO. UNÂNIME."


Julgador(a) de 1º Grau: LUCIA HELENA CAMERIN

quinta-feira, 9 de fevereiro de 2012

ALIENAÇÃO PARENTAL -- SEQUESTRO DE MENINA -


Sites sobre SAP

 Pai Legal - www.pailegal.net 
APASE - www.apase.org.br 
Pais por Justiça - www.paisporjustiça.com
SOS Papai e Mamãe -  www.sos-papai.org
A morte inventada - www.amorteinventada.com.br
Criança Feliz - www.criancafeliz.com.br 

Indicações de livros, que podem ser encontrados nas principais livrarias.


Sindrome De Alienaçao Parental
A Tirania Do Guardiao

Organizador: APASE, Vàrios Autores
Editora: EQUILIBRIO
ISBN: 8599329057
Brochura, 128 pág.
1ª Edição - 2007



Incesto e Alienaçao Parental Realidades Que A Justiça Insiste Em Não Ver

Autor: DIAS, MARIA BERENICE (Org.)
Editora: RT
ISBN: 8520331475
Brochura, 208 pág.
1ª Edição - 2007

A Síndrome da Alienação Parental nos casos de separações judiciais no direito civil brasileiro.

Autor: Felipe Niemezewski Rosa.
Ano: 2008

ROSA, Felipe Niemezewski. A síndrome de alienação parental nos casos de separações judiciais no direito civil brasileiro. Monografia. Curso de Direito. PUC- RS, Porto Alegre, 2008. 


A Síndrome da Alienação Parental e o poder judiciário

Autor:  Igor Nazarovicz Xaxá
Ano: 2008
XAXÁ, Igor Nazarovick. A síndrome de alienação parental e o
poder judiciário. Monografia. Curso de Direito. UNIP, Brasília, 2008. 

Alienação parental é tema de congresso

Fonte: Assessoria de Comunicação do IBDFAM


Porto Alegre recebe em abril, entre os dias 27 e 28, o Congresso "Alienação Parental: um olhar jurídico e psicológico". O evento tem como objetivo discutir a importância da visão multidisciplinar sobre a alienação parental. 
Para a advogada Ana Brusolo Gerbase, coordenadora do evento e sócia do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM), ainda há muita dúvida com relação ao tema principalmente porque a legislação é recente. "Trabalho com Direito de Família e vejo a necessidade de discutir esse assunto. A lei é muito nova, o que gera questionamentos tanto entre advogados como no Judiciário. Uma das grandes dificuldades, por exemplo, é comprovar a alienação", afirma. Segundo Ana, a única forma de acabar com as dúvidas é "debater de forma incessante o tema".

A advogada conta ainda que no último dia de evento será realizada uma homenagem para a advogada Maria Berenice Dias, vice-presidente do IBDFAM. "Homenagearemos por sua atuação incansável em favor das minorias. Ela foi a primeira juíza a dar uma sentença abordando a alienação parental, antes mesmo de existir uma lei específica sobre o assunto, conta."
Os interessados em participar poderão fazer sua inscrição a partir de março no site da OAB/RS. Confira aqui a programação do evento.

quarta-feira, 8 de fevereiro de 2012

Abuso Sexual ou Alienação Parental: o difícil diagnóstico


Autor: Patricia Pimentel de Oliveira Chambers Ramos


A acusação de abuso sexual, notadamente quando o acusado é pai, traz uma mancha indelével para a sua imagem. Dentro de uma sociedade sadia, a violência sexual praticada contra crianças é considerada algo ignóbil, que merece repúdio e mecanismos sérios de proteção da vítima.

O tema é complexo uma vez que identificar a autoria e a materialidade do abuso sexual não é simples. A criança vítima de abuso sexual pode não apresentar sintomas físicos, mas apenas psicológicos.  Além disso, a violência sexual nem sempre é realizada de forma agressiva, pelo contrário. As carícias, os beijos, o toque suave, promessas de presentes, atenção, trazem para a criança um sentimento dúbio, no qual ela própria imagina ter consentido com o ato.

Não raro, a violência sexual é praticada pelo pai ou padrasto, com a conivência da mãe, que prefere não enxergar a realidade ou simplesmente naturalizar a situação. Por comodidade, entende como natural o fato, chegando a justificá-lo. O pai ou padrasto é muitas vezes o provedor do lar, responsável pelo sustento da família, e a companheira, seja por interesses financeiros ou emocionais, prefere ignorar a situação, imaginar que o filho ou filha está mentindo, ou até mesmo considerar o fato como natural, que a vítima provocou a situação, etc. Estabelece-se um pacto de silêncio dentro da família. Conforme explica Antonio Carlos de Oliveira "lidar com abuso sexual, sobretudo intrafamiliar, significa defrontar-se com dinâmicas fortemente fundamentadas em segredos que concorrem para manter a coesão do grupo familiar. (...) O segredo vem da censura, da auto-crítica, vem do medo da rejeição, do medo de perder os vínculos familiares, das ameaças, da ambivalência em relação ao agressor; vem, enfim, das mais diferentes fontes"[1].  Relatar o segredo familiar, narrando a situação de abuso sexual que sofre, é extremamente doloroso para uma criança, que muitas vezes volta atrás na sua narrativa em razão de pressões familiares.

Por sua vez, a violência sexual pode ter sido praticada por outros integrantes da família, como o tio, o avô, o irmão mais velho, o companheiro da avó, um primo, ou por personagens extrafamiliares, como o professor, um funcionário da escola, um vizinho, um amigo dos pais da criança, etc.

Quanto mais próximo o convívio da criança com o autor do abuso sexual, mais difícil a revelação. Assim, conquanto sejam identificados indícios de ter sido aquela criança vítima de abuso sexual (sexualidade exacerbada, medo de freqüentar determinado lugar, tristeza, retração), é possível que a criança não queira revelar o autor do abuso sexual ou até indique pessoa diversa por ter recebido ameaças e orientações do abusador.

Por outro lado, não podemos deixar de mencionar, toda vez que falamos em abuso sexual, da questão da alienação parental. Trata-se de uma prática instalada no rearranjo familiar após uma separação conjugal, na qual os transtornos conjugais são projetados na parentalidade e um dos genitores "programa" o filho para que odeie o outro[2]. Conforme expõe Maria Berenice Dias "muitas vezes a ruptura da vida conjugal gera na mãe sentimento de abandono, de rejeição, de traição, surgindo uma tendência vingativa muito grande. Quando não consegue elaborar adequadamente o luto da separação, desencadeia um processo de destruição, de desmoralização, de descrédito do ex-cônjuge. (...) Neste jogo de manipulações, todas as armas são utilizadas, inclusive a assertiva de ter sido o filho vítima de abuso sexual"[3]. Falsas acusações de abuso sexual, assim, estão inseridas no contexto do sistema de justiça, quintuplicando a complexidade do tema abordado.

A atuação do Ministério Público na proteção de crianças e adolescentes vítimas de abuso sexual traz conseqüências muito graves em relação ao acusado, pois além do processo criminal que pode resultar na sua condenação e privação de sua liberdade, também é facultado ao Ministério Público ingressar com a ação de afastamento do agressor do lar, prevista no art. 130 do ECA, representação administrativa prevista no art. 249, suspensão ou destituição do poder familiar, prevista no art. 155 do ECA, além de ter opinião decisiva nas Varas de Família contra ou a favor da suspensão de visitação de um pai ou uma mãe.

Quase tão ruim quanto o abuso sexual real, é a falsa acusação de abuso sexual com a programação da criança para mentir em Juízo. Nada mais nefasto a um genitor inocente ver maculada a sua honra e imagem, ser privado do convívio com o filho e ficar impotente perante o sistema de justiça.

Durante os mais de 10 (dez) anos de atuação profissional, acompanhei diversos casos de abuso sexual, fiz atendimento de mães e pais em situações de alienação parental, e posso assegurar que a participação do psicólogo e do assistente social neste contexto se faz fundamental.

Nos idos de 2004, angustiada com os difíceis casos de abuso sexual de minha Promotoria de Justiça, nos quais havia laudos psicológicos divergentes, procurei o Conselho Regional de Psicologia, acompanhada de duas colegas do Ministério Público, para saber se havia alguma regulamentação a respeito dos requisitos de atendimento e elaboração de um laudo pericial realizado por um psicólogo nas hipóteses de abuso sexual. Buscava um esclarecimento a respeito da necessidade de capacitação especializada no assunto por parte do profissional, da necessidade da escuta de todos os membros da família envolvida, da gravação ou não das entrevistas realizadas, da participação ou não de mais de um profissional, seja da própria área da psicologia seja do serviço social, seja outra, etc. Na ocasião, fui informada que não havia regulamentação a respeito e que estava sendo formada uma comissão para estudar o assunto, notadamente porque pessoas acusadas de terem praticado abuso sexual haviam solicitado ao Conselho Regional de Psicologia a punição de psicólogos que haviam contribuído com o seu saber para esclarecerem situações que envolviam abuso sexual de crianças.

Ainda havia na minha Promotoria da Infância e Juventude um procedimento administrativo que visava apurar a regularidade de uma instituição de atendimento a crianças vítimas de violência na qual o seu dirigente, um médico, argumentava que somente ele, por ser portador do diploma de medicina, que lhe dá a exclusividade de assinar atestados (como o atestado de óbito), e papel de destaque na área de saúde, poderia assinar os laudos encaminhados à Justiça, ainda que somente o psicólogo e a assistente social tivessem realizado o atendimento da criança, concluindo ou não pela ocorrência de abuso sexual. Entendia ele que não era permitido aos referidos profissionais assinar laudos periciais desta natureza.

Um nó estava formado em minha cabeça.

Assim, no ano de 2005, além de insistir perante a Administração Superior do Ministério Público na necessidade de contratação de um profissional da psicologia e do serviço social para assessorar a Promotoria da Infância, procurei o Curso de Violência Doméstica contra Crianças e Adolescentes da PUC/RJ, do Departamento de Serviço Social, recomendado em razão da excelente qualificação técnica do professor psicólogo Antonio Carlos de Oliveira, e conclui o curso no ano de 2007.

Muitos nós foram desfeitos e preciso registrar a preocupação com a posição atual do Conselho Federal de Psicologia e do Conselho Federal de Serviço Social no sentido de orientar a exclusão da participação do psicólogo e do assistente social do sistema de justiça, seja na elaboração de laudos periciais e, especialmente, nas críticas ao depoimento sem dano, mecanismo desenvolvido no Rio Grande do Sul pelo Magistrado Dr. Daltoé, que preconiza uma oitiva da criança de forma resguardada, em sala diversa da sala de audiência, acompanhada por um profissional de psicologia ou serviço social, com experiência no atendimento de crianças, que repassa perguntas do juiz e advogados através de ponto eletrônico, com vistas a evitar a exposição da criança a perguntas inapropriadas, e que fica registrada no processo judicial através de gravação em CD[4].
O princípio da proteção integral da criança exige a cooperação das áreas do saber no resguardar da criança vítima a fim de que haja o seu tratamento digno, no respeito a sua integridade físico-psíquica, na sua proteção social e familiar, no oferecimento de tratamento psicológico, na cooperação para a interrupção da violência, etc. A condenação criminal do autor do abuso sexual é conseqüência de um sistema de proteção articulado e bem feito, no qual a sociedade demonstra a desaprovação  com a conduta praticada.

O sistema de garantia de direitos na proteção da criança vítima de violência sexual, assim, exige uma atuação conjunta, articulada entre as diversas áreas do saber. Os professores e profissionais de saúde são os primeiros a participar do sistema de garantias, pois aos mesmos incumbe a tarefa de notificar as situações de abuso sexual ao Conselho Tutelar (art. 13, art. 56, inciso I,  e art. 245 do ECA). Ao Conselho Tutelar incumbe a tarefa de requisitar tratamento psicológico para a criança vítima (art. 136, I e art. 101, inciso V), serviços públicos nas áreas de saúde e serviço social (art. 136, III, a do ECA) e ainda encaminhar ao Ministério Público notícia do abuso sexual, fato que constitui infração administrativa e penal contra os direitos da criança ou adolescente (art. 136, IV do ECA). Ao Ministério Público, por sua vez, incumbe deflagrar o processo judicial relativo à infração administrativa, bem como o relativo à infração penal (art. 201, X do ECA), e eventual afastamento do agressor do lar (art. 130 do ECA), respaldado, dentre outros, no relatório apresentado pelos serviços públicos solicitados pelo Conselho Tutelar. Seria temerário por parte do Ministério Público deflagrar qualquer ação judicial sem suporte probatório mínimo.  Num sistema de garantia de direitos que resguarda a integridade psíquica da criança, esta não deve ser revitimizada narrando para mais de um profissional as experiências sexuais pelas quais passou (é constrangedor para qualquer adulto, imagine para uma criança). Dessa forma, o mesmo profissional que faz o atendimento psicológico solicitado pelo Conselho Tutelar deveria ser o mesmo a acompanhar a criança durante o processo judicial.

Note-se que qualquer processo judicial é desgastante, exige garantias de contraditório e ampla defesa para o acusado e convencimento do juiz quanto ao abuso sexual narrado. As provas são essenciais dentro de um Estado Democrático de Direito onde se respeitam os direitos fundamentais. Não se pode condenar uma pessoa à privação de liberdade, à restrição do convívio com o filho, à mancha indelével à sua imagem e honra sem suporte probatório. Quando se tratam de crimes sexuais, praticados sem a presença de qualquer testemunha, sem deixar vestígios físicos, o relato da vítima é fundamental e o aspecto psicológico na abordagem de uma criança é uma prova extremamente relevante do processo.  Não se pode exigir de um Magistrado a condenação de uma pessoa sem que ele tenha se convencido da ocorrência do abuso sexual.

A questão torna-se complexa quando inexiste profissional especializado na revelação de abuso sexual, inexiste procedimento com regulamentação própria para este atendimento e os profissionais são orientados a não apresentar laudos ou pareceres com indicativos positivos ou negativos do abuso sexual e proibidos de participar do sistema de justiça no modelo depoimento sem dano. A oitiva da criança pelo juiz e advogados em uma sala de audiências, perante pessoas estranhas, na presença do autor do abuso, e após pressões diversas, certamente não atende ao princípio do melhor interesse da criança.

Conforme ensina Ilda Lopes Rodrigues da Silva, "precisamos superar o isolamento e a fragmentação que nos impedem de dialogar com o outro porque partimos de raízes históricas diferentes e de formações baseadas em paradigmas completamente diversos. Embora estejam todos dizendo que estão voltados para a mesma questão, como não aprenderam a intercambiar suas experiências, compromete-se a possibilidade de uma abordagem interprofissional. Trata-se de aprender a atuar em conjunto, com as nossas diferenças e pontos convergentes, buscando aclarar o que nos choca e distancia do outro, buscando novas formas de pensar e agir." [5]

No mesmo sentido menciona Catarina Maria Schmickler[6]: "É necessário que haja realmente uma solidariedade operante, vontade política e ações substantivas para que se concretize algo tão complexo como é um trabalho em rede. Várias podem ser as formas possíveis de se formatar uma intervenção desta natureza, tendo-se o cuidado para que haja realmente uma atenção, sobretudo à criança, e um cuidado para não revitimizá-la." A Professora do Departamento de Serviço Social da Universidade de Santa Catarina, Doutora em Serviço Social pela PUC/SP, ressalta ainda a importância do Protocolo de Atenção às Vítimas da Violência do Município de Florianópolis, que, seguindo orientação do Ministério da Saúde no ano de 1999 intitulada "Prevenção e Tratamento dos Agravos Resultantes da Violência Sexual contra Mulheres e Adolescentes", tem como um dos objetivos evitar o processo de revitimização, articular as ações das instituições de atendimento numa rede, "favorecendo a garantia da coleta de provas materiais para o indiciamento do agressor" bem como garantir o atendimento integral à vítima nas áreas de saúde, segurança e apoio psicossocial, assim como "incentivar o processo de denúncia dos crimes sexuais através da divulgação da rede de atendimento integral, com vistas a diminuir a impunidade dos violadores".

O trabalho da rede de proteção deve estar em sintonia com o sistema de justiça e punição do agressor, pois um depende do outro para a garantia da proteção integral. A vítima, a sociedade, os conselheiros tutelares, os profissionais das áreas de saúde, serviço social e psicologia querem, na sua maioria, uma resposta do Ministério Público e do Poder Judiciário, pois reconhecem suas limitações numa atuação isolada. A rede se alimenta mutuamente, um cobrando o retorno do outro. Essa integração é importante e as falhas do sistema repercutem negativamente na atuação de todos. Consoante a fala da Conselheira Tutelar Doracy Anacleta Eich, em palestra transformada em artigo[7]:

"Quando encaminhamos um caso para o Ministério Público ou para o Judiciário, para obtermos retorno temos de provocá-los incansavelmente, reiterando que precisamos de uma resposta mais rápida, a fim de assegurarmos os direitos da criança ou adolescente envolvido. Enfrentamos também problemas quanto ao atendimento na rede de saúde, pois a maioria dos profissionais não está capacitada para lidar com esse tipo de caso. Também há uma certa falta de compromisso social de alguns profissionais revelado, por vezes, pelo fato de o preenchimento das fichas de notificação compulsória ser feito, na grande maioria dos casos, apenas pelo assistente social ou psicólogo, eximindo-se o médico de assumir sua parte no processo. Como sabemos que existem verdadeiras e falsas alegações de abuso sexual, é preciso aliar competência técnica e compromisso profissional com a causa da criança e do adolescente."

Por sua vez, é preciso reforçar a idéia de que o abuso sexual contra crianças é um fato gravíssimo. Precisamos consolidar esse entendimento e afastar o discurso a respeito da "competência de crianças para o exercício dos direitos afetivo-sexuais e reprodutivos"[8], pois o  consentimento de uma criança numa relação sexual é totalmente NULO. A reprovabilidade social tem diferido dependendo da região. Há notícias de que em algumas regiões do Brasil a prática de relações sexuais com crianças ou filhas é tolerada pela sociedade local. E não se trata de situação de pobreza, pois na maior parte das favelas do Rio de Janeiro, o código ético de facções criminosas aplica a pena de morte, com requintes de crueldade, aos abusadores de crianças. Existe uma questão cultural que precisa ser combatida, notadamente em relação às meninas que se prostituem. Não se pode aceitar que um adulto tenha relações sexuais com crianças, ainda que estas tenham experiência sexual anterior[9]. O direito penal existe para resguardar os valores mais caros de uma sociedade e a condenação criminal daquele que mantém relações sexuais com crianças é o reconhecimento social da reprovação de sua conduta.

Nós, profissionais que trabalhamos com crianças,  precisamos estar convencidos, em consonância com os ensinamentos de Maria Amélia Azevedo, Viviane Nogueira  de Azevedo Guerra, Nancy Vaiciunas e Claudio Cohen[10], de que o abuso sexual é pernicioso para as crianças e causa traumas para sua vida adulta. Não podemos nos omitir ao verificar que uma criança está sendo vitima de violência sexual.

Ensina Cláudio Cohen, mestre e doutor em Psicologia Social pelo Instituto de Psicologia da USP:

"Quando um profissional - médico, psicólogo, assistente social, psicanalista -, no exercício de sua função, toma conhecimento de algum ato incestuoso, freqüentemente, mesmo sabendo da gravidade do fato, preferem não fazer uma denúncia à justiça com temor de prejudicar a coesão familiar, escondendo-se atrás do direito ao segredo.

Envolve uma questão ética, pois a violação do tabu do incesto pode ser considerada como justa causa para a quebra do sigilo profissional"[11]

A respeito do assunto, Sidney Shine, psicólogo pela USP, questiona se a omissão dos profissionais da área da saúde mental residiria mesmo na preocupação com a família ou com as conseqüências de tal denúncia ao seu próprio bem-estar[12].

O sistema de justiça precisa da participação de todos, pois o afastamento do agressor e a sua condenação criminal também fazem parte da proteção da criança.  O contraditório e o direito de defesa, inerente ao processo judicial, garante ao acusado impugnar os laudos periciais, apresentando, não raro, novos laudos completamente divergentes dos anteriores.  O diagnóstico de abuso sexual ou alienação parental fica extremamente difícil nas situações de litígios familiares. A oitiva da criança pelo juiz acaba se impondo em razão da dúvida suscitada e nada melhor do que ouvi-la com respeito a sua condição peculiar de criança em desenvolvimento, em ambiente resguardado da sala de audiências, por profissional especializado no atendimento de crianças (como psicólogos e assistentes sociais), e gravado para que não mais precise ser repetido, conforme preconiza o sistema denominado "depoimento sem dano". Muitas sentenças são reformadas nas instâncias superiores e o depoimento gravado é uma prova viva para o convencimento dos julgadores.

Os argumentos contrários à participação do psicólogo no depoimento sem dano, mencionados na obra "Falando sério sobre a escuta de crianças e adolescentes envolvidos em situação de violência e a rede de proteção" parecem ignorar a realidade dos depoimentos invasivos de crianças e adolescentes realizados em varas criminais, e na suposição de que o profissional da psicologia, bem como o do serviço social, estaria fora de sua atribuição funcional.

A intimidade de crianças e adolescentes é exposta diuturnamente nos atendimentos vários pelos quais passa, e ainda nas varas criminais, perante pessoas estranhas, seja o juiz, o promotor, advogados, funcionários da justiça, e o próprio autor do abuso sexual, num ambiente hostil que é uma sala de audiências, onde pretende o acusado desacreditar a versão da vítima. É exigência de um Estado Democrático de Direito que o acusado possa se defender. O depoimento sem dano é, por enquanto, a melhor solução encontrada, na medida em que a situação de violência seria narrada num ambiente reservado, apenas a uma pessoa com qualificação técnica para transmitir as perguntas do juiz e advogados, e eventualmente interromper o depoimento ao verificar a exaustão psíquica da vítima.

Perguntam alguns psicólogos: Não estaríamos nesta cena como inquiridores, reproduzindo a lógica policialesco-investigativa, tornando-nos os novos policiais especializados?[13]  Sim e não, pois a proteção da criança também perpassa pela condenação criminal do autor do abuso, uma vez que a conduta praticada merece reprovação para que não seja repetida e a impunidade do agressor acaba trazendo mais danos psíquicos à vítima. O psicólogo estaria contribuindo com o seu saber especializado para proteger a criança, decorrência natural do sistema de proteção integral preconizado pelo art. 227 da Constituição Federal.

Conforme expõe Cláudio Cohen, "devido à enorme importância da família na estruturação humana, quando esta por algum motivo não puder reprimir seus impulsos incestuosos, torna-se necessário que o Estado, como se fosse um Pai, cumpra esta função e se faça cargo dos indivíduos dessa família."

E se após depor, a criança, lançada no poder de sua fala, se arrepender do que disse, mesmo tendo acontecido algo?[14] Então a proteção da criança se efetivaria mesmo diante da retratação. Maria Regina Fay de Azambuja ressalta que "a inquirição da criança vítima de violência sexual intrafamiliar, devido ao medo de represálias, culpa associada com o ato de aceitação da sedução ou medo de dissolução da família, pode fazer que a criança retire a acusação, como confirma a prática forense." [15] A gravação do depoimento da criança permite a atuação do sistema de justiça na proteção da vítima,  no afastamento do agressor e na sua eventual condenação.

Será que a busca da verdade real é prejudicial aos interesses da criança, conforme questionam alguns[16]? É claro que não. O sistema de justiça não deve punir um inocente nem permitir que a criança continue sendo molestada no recinto do seu lar. A apuração da verdade através de um correto funcionamento da rede de proteção, dos laudos periciais apresentados, do depoimento da família e eventualmente da criança através do depoimento sem dano, se faz necessária num Estado Democrático de Direito onde se respeitam os direitos humanos e no qual se preserve a integridade física e psíquica de uma criança vítima de violência.

O psicólogo capacitado tem uma interpretação diferenciada do silêncio, gestual, comportamento e etapas do desenvolvimento infantil. Ele tem experiência na escuta qualificada.

O assistente social capacitado, por sua vez, tem uma percepção da estrutura familiar, das relações de poder dentro da família e da dinâmica da criança com seus pais e demais integrantes do grupo no qual está inserido. Será que ele também não teria experiência para uma escuta qualificada, ao contrário do que dispôs a Resolução CFESS nº 554 de 15/09/2009?

Estes profissionais com experiência no atendimento de crianças em situação de violência compreendem melhor do que o profissional do direito as limitações, as perguntas que seriam invasivas e o momento adequado para a interrupção de um depoimento judicial infantil.

Por certo que a oitiva da criança vítima de violência deve ser evitada, recomendando-se a substituição desta prova por perícia psicológica e/ou psiquiátrica, aliada a outros elementos de prova, como o estudo social, oitiva da família e a avaliação do próprio abusador, conforme defende Maria Regina Fay de Azambuja[17]. Mas, às vezes, o depoimento da criança se faz essencial quando inexistem outros elementos de prova ou quando os existentes são conflitantes. O depoimento sem dano é uma alternativa melhor do que a oitiva da criança em sala de audiências diretamente pelo juiz. Note-se que a formação jurídica não é voltada para o atendimento de crianças, mas na interpretação da lei. O juiz quer ser convencido de que o abuso sexual aconteceu para que a lei seja aplicada. Alguns juízes poderiam até se capacitar para fazer perguntas diretamente para a criança, mas o advogado do acusado, que tem como propósito desacreditar a vítima, pode fazer perguntas que tragam grande constrangimento para ela. Expor a criança não é razoável se a oitiva poderia ser realizada em uma sala resguardada e através de um ponto eletrônico.

Acho incoerente que determinados profissionais do serviço social e da psicologia, com influência nos respectivos Conselhos, pretendam restringir o mercado de trabalho dos seus pares e excluir profissionais com experiência no atendimento de crianças, integrantes da rede de proteção estabelecida pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, com habilidade especial no assunto, de contribuir no depoimento sem dano.

Cláudio Cohen, ao fazer comentários sobre o abuso sexual, ressalta: "O Estado deve atuar em dois níveis, um legal e outro psicossocial. No primeiro nível, deve legislar condenando este tipo de relacionamento familiar e, no outro, deve cuidar da família - por um lado, reprimindo e tratando o autor do ato incestuoso e, por outro lado, tratando a vítima do ato incestuoso e do restante de sua família nos níveis psicológico e social."

Certamente que a proteção da criança não se encerra com a condenação criminal do agressor e seu afastamento. É preciso que a intervenção técnica especializada seja continuada, que a criança e sua família sejam inseridos em programas de proteção e de renda familiar. Conforme expõe Iolete Ribeiro da Silva[18], é preciso "ampliar os investimentos na política de atendimento à criança, nos Conselhos Tutelares, na implementação do Plano Nacional de Enfrentamento da Violência Sexual Infanto-Juvenil, no Programa de Enfrentamento à Violência Sexual."

Também é importante que os processos judiciais não se eternizem, pois uma prestação jurisdicional célere e justa é consectário de um Estado Democrático de Direito, onde os direitos humanos são respeitados.

Convém serem ressaltados os princípios, mencionados no Anexo 3 da obra conjunta "Infância e Violência Doméstica: fronteiras do conhecimento"  (organizado por Maria Amélia Azevedo e Viviane N. de A. Guerra, Editora Cortez, ano 2000, p. 318/319), extraídos do Estatuto da Criança e do Adolescente, na questão da vitimização doméstica de crianças e adolescentes:

1- A vitimização doméstica (física, sexual, psicológica) é forma de "negligência (...), exploração, violência, crueldade e opressão" contra a criança e o adolescente porque viola seu direito à liberdade e ao respeito. Enquanto tal, um crime praticado por "ação ou omissão" de seus pais ou responsáveis "devendo ser punido na forma da lei" (arts. 5,16,17).

2- A vitimização doméstica de crianças e adolescentes é tão grave que a mera suspeita deve ser imediatamente notificada às autoridades competentes da respectiva localidade (art. 13).

A proteção de crianças e adolescentes contra a vitimização doméstica é dever de todos os cidadãos e não apenas de profissionais (arts. 18, 70).

4- A vitimização doméstica de crianças e adolescentes é endêmica na sociedade brasileira graças, entre outros fatores, à lei do silêncio que vigora entre profissionais a esse respeito. Daí a necessidade de punir o silêncio conivente (arts. 56,245).

5- A vitimização doméstica de crianças e adolescentes é um fenômeno "contagioso" que não se extingue com a mera perda ou suspensão da guarda, tutela ou pátrio poder. O agressor poderá continuar agredindo, a menos que receba "auxílio, orientação e tratamento" (art. 129).

6- A criança ou adolescente vítima de violência doméstica necessita não apenas de proteção contra o agressor mas também de "orientação e atendimento médico e psicossocial" para sobreviver ao abuso e não vir a (re) produzi-lo em sua vida futura (arts. 87, 98, 101, 130).

7- Na família abusiva todos são vítimas, só que em diferentes graus. Toda a família necessitará de "orientação e tratamento" (arts. 98, 101, 129).

8- A criminalização da violência doméstica deve envolver penas severas, como forma de conter a prática do fenômeno.

9- Enquanto cidadão, a criança ou adolescente terá direito a assistência judiciária integral, gratuita sempre que houver necessidade (arts. 141, 206).

10- A proteção à criança ou adolescente contra a violência doméstica deverá dar-se no nível local e ser acompanhada pelo Conselho Tutelar, enquanto órgão permanente e autônomo encarregado de zelar pela salvaguarda dos direitos da infância e juventude (art. 13).

Assim, ao contrário do que vem sendo defendido por alguns profissionais com grande influência nos Conselhos de Psicologia e do Serviço Social, o profissional comprometido com o respeito à dignidade, à liberdade, à igualdade de direitos e à integridade do ser humano deve colaborar com o sistema de justiça na proteção de uma criança. Ao invés de defender a exclusão da participação do psicólogo e do assistente social no depoimento sem dano, deveriam estar discutindo, em conjunto com a esfera jurídica, métodos e procedimentos adequados para a identificação do abuso sexual, atendimento da família, tratamento psicológico da vítima, número de sessões de atendimento de uma criança vítima de abuso sexual antes de prestar um depoimento perante a Justiça, a necessidade de serem ouvidos todos os membros da família envolvida, inclusive o suposto autor do abuso sexual, a necessidade de capacitação técnica especializada para o referido atendimento, requisitos de um laudo pericial sobre o assunto, atuação articulada com a Delegacia de Atendimento da Criança Vítima, garantias para a liberdade profissional durante o depoimento sem dano, não somente para modificar as perguntas, o que é óbvio, mas incluir outras, interromper o depoimento, etc.

Conclui-se, assim, que o psicólogo e o assistente social devem receber apoio dos seus respectivos Conselhos no seu atuar funcional, na sua contribuição intelectual para identificar hipóteses de abuso sexual ou alienação parental, na elaboração de laudo pericial para o sistema de justiça, bem como na sua participação qualificada no projeto depoimento sem dano. O psicólogo, profissional gabaritado para interpretar a fala, o silêncio, o gestual, o psique, conhecedor das etapas de desenvolvimento de uma criança, não pode ser excluído deste espaço de atuação funcional. Tampouco o assistente social, que tem papel fundamental nas questões de violência doméstica. Por qual razão perder esse espaço no mercado de trabalho? O Conselho de Psicologia e o Conselho do Serviço Social não podem jamais punir um profissional que atua na proteção de uma criança, que auxilia o Poder Judiciário no depoimento de uma criança, que denuncia situações de maus tratos, ainda que contra a vontade dos pais, quebrando o silêncio de uma família, pois a ética profissional exige respeito maior e prioritário à integridade física e psicológica de uma criança. A Constituição Federal, que prevê o princípio da proteção integral no art. 227, garante essa atuação aos profissionais e está acima de qualquer Resolução.

Patricia Pimentel de Oliveira Chambers Ramos é Promotora de Justiça Titular da 1ª Promotoria da Infância e Juventude do Rio de Janeiro, Subcoordenadora do Centro de Estudos Jurídicos do MPRJ

[1] Antonio Carlos de Oliveira in Questões Candentes em Abuso Sexual de Crianças e Adolescente: desafios na qualificação profissional. Rio de Janeiro: Nova Pesquisa, 2004, 2ª edição, p. 139/140.

[2] Rosana Barbosa Cipriano Simão in Soluções judiciais concretas contra a perniciosa prática da alienação parental em Síndrome da Alienação Parental e a Tirania do Guardião. Porto Alegre: Equilíbrio, 2007, p. 15.

Maria Berenice Dias no Prefácio da obra Síndrome da Alienação Parental e a Tirania do Guardião. Porto Alegre: Equilíbrio, 2007, p.12.

[4] José Antonio Daltoé Cézar. Depoimento sem Dano: uma alternativa para inquirir crianças e adolescentes nos processos judiciais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007.

[5] Ilda Lopes Rodrigues da Silva in Desafios na Formação Acadêmica em Abuso Sexual de Crianças e Adolescentes: desafios na qualificação profissional. Rio de Janeiro: Nova Pesquisa, 2004, 2ª edição, p. 79.

[6] Catarina Maria Schickler in O Protocolo de Atenção às Vítimas de Violência do Município de Florianópolis em Abuso Sexual de Crianças e Adolescentes: desafios na qualificação profissional. Rio de Janeiro: Nova Pesquisa, 2004, 2ª edição, p. 120.

[7] A experiência e o Papel do Conselho Tutelar em Abuso Sexual de Crianças e Adolescentes: desafios na qualificação profissional. Rio de Janeiro: Nova Pesquisa, 2004, 2ª edição, p. 99.

[8] Esther Maria de Magalhães Arantes in Pensando a Proteção Integral. Contribuições ao debate sobre as propostas de inquirição judicial de crianças e adolescentes como vítimas ou testemunhas de crimes em Falando Sério sobre a escuta de crianças e adolescentes envolvidos em situação de violência e a rede de proteção. Propostas do Conselho Federal de Psicologia. Brasília: Conselho Federal de Psicologia, 2009, p.81.

[9] PENAL. EXPLORAÇÃO SEXUAL. ART. 244-A DO ECA. RÉUS QUE SE APROVEITAM DOS SERVIÇOS PRESTADOS. VÍTIMAS JÁ INICIADAS NA PROSTITUIÇÃO. NÃO-ENQUADRAMENTO NO TIPO PENAL.

EXPLORAÇÃO POR PARTE DOS AGENTES NÃO-CONFIGURADA. RECURSO ESPECIAL IMPROVIDO. 1. O Superior Tribunal de Justiça tem entendimento no sentido de que o crime previsto no art. 244-A do ECA não abrange a figura do cliente ocasional, diante da ausência de exploração sexual nos termos da definição legal. Exige-se a submissão do infante à prostituição ou à exploração sexual, o que não ocorreu no presente feito. REsp 884.333/SC, Rel. Min. GILSON DIPP, Quinta Turma, DJ 29/6/07.2. Recurso especial improvido.

(SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. RECURSO ESPECIAL. 820018/MS. 2006/0028401-0. Quinta Turma. Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima.Data do julgamento 05/05/2009. Data da publicação 15/06/2009.)

[10] Infância e Violência Doméstica: fronteiras do conhecimento. São Paulo: Cortez, 2000.
[11]Claudio Cohen in Incesto em  Infância e Violência Doméstica: fronteiras do conhecimento. São Paulo: Cortez, 2000, p. 223

[12] Sidney Shine in Abuso Sexual de Crianças em Direito de Família e Psicanálise, organizado por Giselle Câmara Groeninga e Rodrigo da Cunha Pereira. Rio de Janeiro: Imago, 2003, p.237.

[13] Eliana Olinda Alves e José Eduardo Menescal Saraiva in O que pode a fala de uma criança no contexto judiciário? em Falando Sério sobre a escuta de crianças e adolescentes envolvidos em situação de violência e a rede de proteção. Propostas do Conselho Federal de Psicologia. Brasília: Conselho Federal de Psicologia, 2009, p. 104.

[14] Pergunta formulada pelos autores Eliana Olinda Alves e José Eduardo Menescal Saraiva in O que pode a fala de uma criança no contexto judiciário? em Falando Sério sobre a escuta de crianças e adolescentes envolvidos em situação de violência e a rede de proteção. Propostas do Conselho Federal de Psicologia. Brasília: Conselho Federal de Psicologia, 2009, p. 108.

[15] Maria Regina Fay de Azambuja in A inquirição da vítima de violência sexual intrafamiliar à luz do melhor interesse da criança em "Falando Sério sobre a escuta de crianças e adolescentes envolvidos em situação de violência e a rede de proteção. Propostas do Conselho Federal de Psicologia". Brasília: Conselho Federal de Psicologia, 2009, p. 48.

[16] Klelia Canabrava Aleixo, criticando o sistema do depoimento sem dano, às fls. 121 da obra conjunta "Falando Sério sobre a escuta de crianças e adolescentes envolvidos em situação de violência e a rede de proteção. Propostas do Conselho Federal de Psicologia". Brasília: Conselho Federal de Psicologia, 2009, p. 48.expõe: "A apuração da verdade real inquirição da criança e/ou adolescente em recinto diverso da sala de audiências, dotado de equipamentos próprios à sua idade e realizada por técnico que reproduz as perguntas formuladas pelo juiz por meio de um ponto eletrônico, consiste em autêntico aprimoramento de tecnologias inquisitórias elaboradas especificamente para o público infanto-juvenil com vistas à extração da verdade." Bárbara de Souza Conte também faz críticas à busca da verdade, entendendo que isso não seria ético (?) in A Escuta psicanalítica e o inquérito no Depoimento sem Dano em "Falando Sério sobre a escuta de crianças e adolescentes envolvidos em situação de violência e a rede de proteção. Propostas do Conselho Federal de Psicologia". Brasília: Conselho Federal de Psicologia, 2009, p. 71 a 78.

[17] Maria Regina Fay de Azambuja in A inquirição da vítima de violência sexual intrafamiliar à luz do melhor interesse da criança em Falando Sério sobre a escuta de crianças e adolescentes envolvidos em situação de violência e a rede de proteção. Propostas do Conselho Federal de Psicologia. Brasília: Conselho Federal de Psicologia, 2009, p. 60.

[18] Iolete Ribeiro da Silva in A rede de proteção de crianças e adolescentes envolvidos em situações de violência na perspectiva dos direitos humanos em em Falando Sério sobre a escuta de crianças e adolescentes envolvidos em situação de violência e a rede de proteção. Propostas do Conselho Federal de Psicologia. Brasília: Conselho Federal de Psicologia, 2009, p. 108.

Bibliografia

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