quarta-feira, 8 de fevereiro de 2012

Alienação Parental: Comentários Iniciais à Lei 12.318/2010


Alienação Parental é expressão genérica utilizada atualmente para designar patologia psicológica/comportamental com fortes implicações jurídicas caracterizada pelo exercício abusivo do direito de guarda com o impedimento da convivência parental no rompimento da conjugalidade ou separação causada pelo divórcio ou dissolução da união estável. A vítima maior é a criança ou adolescente que passa a ser também carrasco de quem ama, vivendo uma contradição de sentimentos até chegar ao rompimento do vínculo de afeto. Através da distorção da realidade percebe um dos pais totalmente bom e perfeito (alienador) e o outro totalmente mau (alienado).
A principal característica desse comportamento patológico e ilícito é a lavagem cerebral na criança ou adolescente para que atinja uma hostilidade em relação ao genitor não guardião e/ou seus familiares. A criança se transforma em defensor, cúmplice abnegado do guardião, repetindo as mesmas palavras aprendidas do próprio discurso do alienador contra o "inimigo". O filho passa a acreditar que foi abandonado e passa a compartilhar ódios e ressentimentos com o alienador. O uso de táticas verbais e não verbais faz parte do arsenal do guardião alienador, que apresenta comportamentos característicos e quase sempre perceptíveis em quase todas as situações. 
Chega oportunamente ao ordenamento a Lei 12.318/10, que dispõe sobre a alienação parental e altera o art. 236 da Lei nº. 8.069, de 13 de julho de 1990[1]. A alteração do art. 236 do ECA teve veto presidencial com o seguinte fundamento:
           
"O Estatuto da Criança e do Adolescente já contempla mecanismos de punição suficientes para inibir os efeitos da alienação parental, como a inversão da guarda, multa e até mesmo a suspensão da autoridade parental. Assim, não se mostra necessária a inclusão de sanção de natureza penal, cujos efeitos poderão ser prejudiciais à criança ou ao adolescente, detentores dos direitos que se pretende assegurar com o projeto".


A Lei em vigor, publicada no DOU em 27.08.2010, que em seu Art. 1º dispõe sobre a alienação parental, define ato de alienação parental em seu art. 2°, caput, nos seguintes termos:


Art. 2º. Considera-se ato de alienação parental a interferência na formação psicológica da criança ou do adolescente promovida ou induzida por um dos genitores, pelos avós ou pelos que tenham a criança ou adolescente sob a sua autoridade, guarda ou vigilância para que repudie genitor ou que cause prejuízo ao estabelecimento ou à manutenção de vínculos com este.
Parágrafo único. São formas exemplificativas de alienação parental, além dos atos assim declarados pelo juiz ou constatados por perícia, praticados diretamente ou com auxílio de terceiros:
I - realizar campanha de desqualificação da conduta do genitor no exercício da paternidade ou maternidade;
II - dificultar o exercício da autoridade parental;
III - dificultar contato de criança ou adolescente com genitor;
IV - dificultar o exercício do direito regulamentado de convivência familiar;
V - omitir deliberadamente a genitor informações pessoais relevantes sobre a criança ou adolescente, inclusive escolares, médicas e alterações de endereço;
VI - apresentar falsa denúncia contra genitor, contra familiares deste ou contra avós, para obstar ou dificultar a convivência deles com a criança ou adolescente;
VII - mudar o domicílio para local distante, sem justificativa, visando a dificultar a convivência da criança ou adolescente com o outro genitor, com familiares deste ou com avós.


Embora já se pudesse utilizar de outros instrumentos no ordenamento para inibir e punir o alienador parental, a norma especial traz em seu conjunto possibilidades específicas de regramento em auxílio ao aplicador. O correto manejo e a compreensão da interdisciplinaridade de sua aplicação determinarão a plena eficácia.

A definição inicial carece de maiores critérios de precisão já que alienação parental é gênero referente a qualquer forma de obstrução da convivência espontânea ou por negligencia parental. É comum adolescentes apresentarem fases de alienação. No entanto, quis o legislador referir-se à forma de alienação induzida por um dos genitores, pelos avós ou guardião que efetivamente impede ou dificulta os vínculos de convivência entre a criança ou adolescente com genitor e/ou a família deste.
A norma destaca formas exemplificativas e genéricas de alienação parental. Releva o poder discricionário do juiz que poderá declarar outros atos percebidos no contato com as partes ou constatados por perícia, praticados de forma direta ou com auxílio de terceiros. Neste patamar estão as formas mais comuns de identificação. A campanha de desqualificação da conduta do genitor no exercício da paternidade ou maternidade; os impedimentos ao exercício da autoridade parental, ao contato de criança ou adolescente com genitor, exercício do direito regulamentado de convivência familiar; a omissão deliberada a genitor de informações pessoais relevantes sobre a criança ou adolescente, inclusive escolares, médicas e alterações de endereço; apresentar falsa denúncia contra genitor, contra familiares deste ou contra avós, para obstar ou dificultar a convivência deles com a criança ou adolescente e mudar o domicílio para local distante, sem justificativa, visando a dificultar a convivência da criança ou adolescente com o outro genitor, com familiares deste ou com avós.
Neste rol, repito, apenas exemplificativo deve o juiz atentar para evidências outras. Deixou a lei de fazer referência expressa à Síndrome de Alienação Parental (SAP) como conjunto de condutas típicas da criança em suas formas mais moderadas e severas. Talvez porque não existe ainda consenso quanto à designação científica do termo "síndrome" dada ao fenômeno. Como o termo não é exclusivo da Medicina, sua definição médica não tem a obrigatoriedade de ser literal. No entanto, a aplicação da norma é capaz de aliviar os prejuízos que a alienação ocasiona aos filhos, pais e família não convivente, dependendo da imediata atuação do Judiciário no sentido de inibir a SAP dependendo do grau em que se encontra a alienação. 
O novo dispositivo destaca que a prática, cada vez mais frequente de alienação parental, fere direito fundamental da criança ou adolescente, como o direito à integridade física, mental e moral e à convivência familiar:


Art. 3º A prática de ato de alienação parental fere direito fundamental da criança ou do adolescente de convivência familiar saudável, prejudica a realização de afeto nas relações com genitor e com o grupo familiar, constitui abuso moral contra a criança ou o adolescente e descumprimento dos deveres inerentes à autoridade parental ou decorrentes de tutela ou guarda.


Atos de alienação, provocam uma exposição cada vez maior de crianças e adolescentes à violência, seja a praticada pela sociedade ou mesmo no ambiente familiar, trazendo prejuízos ao seu pleno desenvolvimento moral e psíquico e causando-lhes danos irreversíveis. Em seu art. 3°, caminha a norma em compasso com a legislação brasileira e internacional, já que o direito à convivência familiar encontra-se dentre os direitos fundamentais da infância e juventude, conforme disposto no Estatuto da Criança e do Adolescente e nos diversos dispositivos e tratados internacionais já destacados anteriormente.
O Estatuto da Criança e do Adolescente, na sentido do que já estabelecera a CF/88 (art. 227), elencou como direito fundamental do menor a convivência familiar (art.19 do ECA). Não temos dúvidas que a família é base social do ser humano, sendo os pais os responsáveis pela formação e proteção dos filhos, cabendo-lhes, em primeiro lugar, garantir e assegurar à criança e ao adolescente os direitos e garantias descritas no art. 227 da CF/88. O vínculo familiar é essencial para o desenvolvimento harmonioso e sadio de crianças e adolescentes, o que só é possível no núcleo familiar.
A convivência familiar é de suma importância para o completo desenvolvimento harmonioso da criança e do adolescente na formação de sua personalidade de tal modo, um ambiente familiar cercado de amor e compreensão é o ideal para formação de um homem de bem. Ao lado da família e da sociedade, nossa ordem constitucional impõe primordialmente ao Estado o dever de garantir ao menor o direito fundamental à convivência familiar (art. 227, CF/88).  Diga-se: ao Estado como um todo, representando pelos três poderes, constituindo-se uma boa manifestação do exercício desse dever a recente iniciativa do Poder Legislativo de introduzir no sistema jurídico positivo um instituto novo, no caso, a guarda compartilhada (Lei nº 11.698/2008), tão reclamada pela sociedade civil, permitindo, assim, a continuação da convivência familiar dos filhos, mesmo depois da separação dos pais. O Poder Judiciário, como órgão estatal encarregado de dirimir conflitos e divergências entre os cidadãos, mais e mais deve se capacitar para responder, a tempo e modo, as demandas que envolvam o exercício daquele direito fundamental.

O dispositivo também, totalmente coadunado com o Direito de Família contemporâneo, ressalva a preservação do afeto como valor fundamental a prevalecer nas relações familiares e fortalece os deveres da autoridade parental coibindo os abusos da tutela e da guarda, colocando a criança e o adolescente em sua verdadeira posição como sujeito de direitos.
A nova lei, no artigo 4º, comanda que o magistrado, a requerimento ou de ofício, ouvido o representante do Ministério Público, ao identificar indícios de alienação, deve não só realizar preferência de tramitação do processo, como medidas assecuratórias dos direitos do menor e em defesa do genitor alienado:


Art. 4º. Declarado indício de ato de alienação parental, a requerimento ou de ofício, em qualquer momento processual, em ação autônoma ou incidentalmente, o processo terá tramitação prioritária, e o juiz determinará, com urgência, ouvido o Ministério Público, as medidas provisórias necessárias para preservação da integridade psicológica da criança ou do adolescente, inclusive para assegurar sua convivência com genitor ou viabilizar a efetiva reaproximação entre ambos, se for o caso.
Parágrafo único. Assegurar-se-á à criança ou adolescente e ao genitor garantia mínima de visitação assistida, ressalvados os casos em que há iminente risco de prejuízo à integridade física ou psicológica da criança ou do adolescente, atestado por profissional eventualmente designado pelo juiz para acompanhamento das visitas.


Note-se que a lei se contenta com indícios de alienação parental. Diversos autores descrevem comportamentos típicos  de "programação", que devem servir como indicativos para a imediata atuação em benefício do menor e do genitor alienado. O sentimento de abandono e de culpa que a criança experimenta com a separação dos pais costuma ser manipulado pelo guardião alienador no sentido de estimular na criança o agravamento dessas falsas percepções. Na prática, o próprio comportamento do alienador demonstrando sentimento de posse, inibição de visitas, decisões de forma unilateral sobre educação, saúde; apresentação do novo companheiro à criança como seu novo pai ou mãe; comentários desprezíveis sobre presentes, roupas compradas pelo outro; criticas sobre a competência profissional ou financeira do outro; manifestações de desagrado sobre a alegria da criança em estar com o outro; indução da criança a optar entre a mãe ou o pai; controle excessivo do horário de visitas; transformar a criança em espiã da vida do outro; acusações infundadas de abuso sexual, uso de drogas e álcool; impedimento de que a criança leve para a casa do outro roupas e brinquedos que mais gosta.
A convivência deverá se respeitada e cumprida por ambos os genitores, até enquanto não houver decisão posterior que a venha alterar. A efetiva reaproximação entre criança e genitor passa a ser poder-dever do magistrado.
O direito de convivência pode ser alvo de descumprimento pelo genitor guardião e pelo não guardião. No primeiro caso, o genitor guardião, de forma abusiva, usa de todos os meios para impedir o outro de manter o contato, criando obstáculos os mais absurdos para cercear sua convivência com o filho. No segundo caso, o genitor não guardião, comete o abandono parental (desestimulado pela dificuldade do contato), descumprindo o que ficou estipulado no acordo ou na decisão judicial, deixando de conviver com o filho, gerando neste expectativas e frustrações, além da sensação de abandono. O descumprimento pelo genitor não guardião também se opera quando ele abusa do próprio exercício do direito de convivência, não devolvendo o filho a tempo e modo no domicílio deste. 
Nestes casos, já dispunha o magistrado, utilizando as ferramentas processuais inseridas no ordenamento jurídico,  dos meios adequados para cessar o abuso do guardião no impedimento do exercício do direito de visita do outro; ou do não guardião que comete o abandono parental ou também abusa do exercício de seu direito, em não devolvendo o filho após consumado o período de visita. Neste sentido já ensinava Yussef Said Cahali:


À justiça cabe impedir que o exercício do direito de visitas seja dificultado por sentimentos abjetos, como também não atende aos interesses dos menores dificultarem o desempenho desse direito-dever; por presunção é de se esperarem resultados benéficos para a prole, desses contatos periódicos com o outro genitor, contatos que permitirão não só uma melhor fiscalização quanto à maneira como estão sendo tratados os filhos, como também acalentam aquele natural afeto que resulta do vínculo da paternidade.


Antes da alteração do art. 461 do CPC, não existia, no direito brasileiro, expressamente, nenhuma sanção típica aplicável contra aqueles que descumpriam as condições impostas ao outrora denominado direito de visita. Ao magistrado cabia a árdua tarefa de ir buscar dentro do ordenamento jurídico solução para punir o descumpridor, enquadrando-o muitas vezes nas penas do crime de desobediência tipificado no art. 359 do Código Penal, de difícil configuração.
O legislador, na busca pela concretização do princípio constitucional da efetividade nas decisões judiciais, fez importante alteração no Código de Processo Civil, incluindo o § 5º ao art. 461 do CPC, emprestando ferramenta de grande valia ao juiz para agir até mesmo ex officio:


Art. 461. [...]
§ 5º. Para a efetivação da tutela especifica ou a obtenção do resultado prático equivalente, poderá o juiz, de ofício ou a requerimento, determinar as medidas necessárias, tais como a imposição de multa por tempo de atraso, busca e apreensão, remoção de pessoas e coisas, desfazimento de obras e impedimento de atividade nociva, se necessário com requisição de força policial.


Essa alteração aparelhou o Judiciário para suprir a deficiência que existia na prestação jurisdicional quanto ao exercício do direito de visita. Bem aplicado, o § 5º do artigo 461 do CPC resolveria, ou pelo menos diminuiria, o descumprimento do direito-dever de visita como já ensinava Raduan Miguel Filho[3].
A possibilidade de tutela cominatória no Direito de Família, com emprego de multa diária para forçar o guardião a cumprir o regime de convivência com os filhos, já não era nenhuma novidade na doutrina e jurisprudência brasileiras, como anota Joubert R. Resende, citando Rolf Madaleno,[4] sob o entendimento segundo o qual no poder de julgar está implícito o poder do juiz de fazer cumprir as suas decisões, sob o risco de completo desprestígio da autoridade judiciária. Uma das medidas assecuratórias do exercício do direito de convivência já era a prevista reversão da guarda. Sobre o assunto importante anotar decisão do Desembargador Paulo Dourado de Gusmão, transcrita por J. F. Basílio de Oliveira:


"Regulamentação de visita ao filho. A reiterada inobservância do regime de visitas permite revisão da questão da posse e guarda. As disputas entre os cônjuges gravam profundamente a memória dos filhos, marcando-lhes pelo resto da vida". (Apelação Cível nº 14.951, AC. um. De 19.2.81, Rel. Des. Paulo Dourado de Gusmão, da 6ª CC. TJRJ).


A regra processual inserta no art. 4°, da Lei 12.318/2010, vem reafirmar essa providência de forma expressa, acentuando o poder discricionário do juiz na determinação de medidas provisórias (protetivas) de urgência, em qualquer momento processual. A norma quis dar efetividade ao comando do art. 226, § 8° da Constituição Federal, a exemplo da Lei Maria da Penha (Lei 11.340/2006), com a finalidade de tutelar esta forma de violência no âmbito das relações familiares, que é a alienação parental. A providencia jurisdicional deve ser no sentido de impedir o agravamento do impedimento da convivência entre pais e filhos e garantir sua integridade psicológica e moral. Estas providencias possuem natureza cautelar, antecipatória e também satisfativa, podendo (devendo) o juiz agir, liminarmente, inclusive de ofício (art. 797 do CPC), ou ainda, com base na cláusula geral autorizadora prevista no § 7° do art. 273 do CPC.
A manutenção do convívio da criança com o genitor não convivente está reafirmada nesta conquista positiva da norma a ser aplicada. A regra passa a ser aproximar e não afastar como costumeiramente vinha acontecendo. Mesmo que as visitas (convivência) passem a ser acompanhadas, em casos que assim exijam. Nunca o afastamento e a separação. O poder discricionário do magistrado deve ser direcionado no sentido de proporcionar à criança ou adolescente e ao genitor garantia mínima de visitação assistida, ressalvados os casos em que há iminente risco de prejuízo à integridade física ou psicológica do menor, por causa justa, e atestado por profissional eventualmente designado pelo juiz para acompanhamento das visitas.
A suspensão de visitas ou modificação de guarda inaudita altera parte, em boa hora, tornaram-se inconcebíveis. Quis o legislador vincular tais medidas excepcionais somente à fase pós instrução processual (realização de perícia), devendo, enquanto pairar a dúvida, manter o contato, mesmo que assistido ou vigiado.
Comentando o art. 5° e seus parágrafos:


Art. 5º. Havendo indício da prática de ato de alienação parental, em ação autônoma ou incidental, o juiz, se necessário, determinará perícia psicológica ou biopsicossocial.
§ 1º. O laudo pericial terá base em ampla avaliação psicológica ou biopsicossocial, conforme o caso, compreendendo, inclusive, entrevista pessoal com as partes, exame de documentos dos autos, histórico do relacionamento do casal e da separação, cronologia de incidentes, avaliação da personalidade dos envolvidos e exame da forma como a criança ou adolescente se manifesta acerca de eventual acusação contra genitor.
§ 2º A perícia será realizada por profissional ou equipe multidisciplinar habilitados, exigido, em qualquer caso, aptidão comprovada por histórico profissional ou acadêmico para diagnosticar atos de alienação parental.
§ 3º O perito ou equipe multidisciplinar designada para verificar a ocorrência de alienação parental terá prazo de 90 (noventa) dias para apresentação do laudo, prorrogável exclusivamente por autorização judicial baseada em justificativa circunstanciada.


O dispositivo alerta que "Havendo indício da prática de ato de alienação parental, em ação autônoma ou incidental, o juiz, se necessário, determinará perícia psicológica ou biopsicossocial". 
Aqui, como prevenção das formas mais graves de alienação parental, assume fundamental importância a atuação de profissionais Psicólogos e Assistentes Sociais que atuam diretamente sobre o problema, sem prejuízo que outros profissionais de saúde (Psiquiatras, por exemplo) possam ser convocados para atuar em auxílio do magistrado na resolução do conflito familiar. A lei claramente se refere à perícia. A prova pericial é realizada por perito, pessoa física ou jurídica (STJ, RF 325/155) que, contando com a confiança do juiz, é convocada para esclarecer algum ponto que exija conhecimento técnico especial no processo.
Determina a lei, de forma precisa, que a perícia será realizada por profissional ou equipe multidisciplinar habilitados, exigido, em qualquer caso, aptidão comprovada por histórico profissional ou acadêmico para diagnosticar atos de alienação parental. Além de idôneo o perito deve ter conhecimento do tema dentro da área universitária e regularmente inscrito no órgão de classe (art. 145, § 1° do CPC). O perito ou equipe multidisciplinar designada para verificar a ocorrência de alienação parental terá prazo de 90 (noventa) dias para apresentação do laudo, prorrogável exclusivamente por autorização judicial baseada em justificativa circunstanciada. Tratando-se de perícia complexa, pode o juiz nomear mais de um perito (art. 431-B, CPC).
O laudo pericial deverá ser fundamentado em ampla avaliação psicológica ou biopsicossocial, consistente em entrevista pessoal com as partes, exame de documentos dos autos, histórico do relacionamento do casal e da separação, cronologia de incidentes, avaliação da personalidade dos envolvidos e exame da forma como a criança ou adolescente se manifesta acerca de eventual acusação contra genitor.
Nos alerta o Médico Psiquiatra David Zimerman que assim como o psicanalista o juiz tem o dever ético indispensável do "amor às verdades". Não basta ser sério, erudito e talentoso se não possuir empatia, continência, intuição, aceitação dos limites e das inevitáveis diferenças de estilo e de valores que ele tem com os outros.
O estudo psicossocial possibilita que a criança ou adolescente seja ouvida em seus sentimentos e desejos, como sujeito de direitos, assumindo posição ativa em prol de seus melhores interesses. O diálogo é a regra. A relação da criança com os profissionais em auxílio ao magistrado assume neste contexto uma possibilidade rica para que a criança ou adolescente compreenda o real significado de suas relações parentais. Elementar que a criança compreenda os papéis do juiz, do advogado, promotor e do profissional auxiliar. Fundamental que perceba a situação que se encontram seus pais e de que ela não é a responsável pelo conflito e nem para decidir sobre sua guarda ou visitas. No entanto, como bem afirma Rebecca Ribeiro (A Criança e o Adolescente nos Estudos Psicossociais de Varas de Família, Lúmen Júris, 281) o caminho que a família encontra para buscar a resolução de seus conflitos não começa e nem termina no estudo psicossocial, ficando este com o grande papel de dar voz à criança e como mediador de sua palavra na Justiça.
O artigo 6°., em sua exaustiva redação merece detida reflexão:

Art. 6º. Caracterizados atos típicos de alienação parental ou qualquer conduta que dificulte a convivência de criança ou adolescente com genitor, em ação autônoma ou incidental, o juiz poderá, cumulativamente ou não, sem prejuízo da decorrente responsabilidade civil ou criminal e da ampla utilização de instrumentos processuais aptos a inibir ou atenuar seus efeitos, segundo a gravidade do caso:
I - declarar a ocorrência de alienação parental e advertir o alienador;
II - ampliar o regime de convivência familiar em favor do genitor alienado;
III - estipular multa ao alienador;
IV - determinar acompanhamento psicológico e/ou biopsicossocial;
V - determinar a alteração da guarda para guarda compartilhada ou sua inversão;
VI - determinar a fixação cautelar do domicílio da criança ou adolescente;
VII - declarar a suspensão da autoridade parental.
Parágrafo único. Caracterizado mudança abusiva de endereço, inviabilização ou obstrução à convivência familiar, o juiz também poderá inverter a obrigação de levar para ou retirar a criança ou adolescente da residência do genitor, por ocasião das alternâncias dos períodos de convivência familiar.


Conforme a Lei 12.318/10, caracterizados atos típicos de alienação parental ou qualquer conduta que dificulte a convivência de criança ou adolescente com genitor, em ação autônoma ou incidental, o juiz poderá, cumulativamente ou não, sem prejuízo da decorrente responsabilidade civil ou criminal e da ampla utilização de instrumentos processuais aptos a inibir ou atenuar seus efeitos, segundo a gravidade do caso: declarar a ocorrência de alienação parental e advertir o alienador; ampliar o regime de convivência familiar em favor do genitor alienado; estipular multa ao alienador; determinar acompanhamento psicológico e/ou biopsicossocial; determinar a alteração da guarda para guarda compartilhada ou sua inversão; determinar a fixação cautelar do domicílio da criança ou adolescente; declarar a suspensão da autoridade parental.
Aqui vale a pena incluir outras possibilidades de obstrução da convivência de criança ou adolescente com o genitor não elencadas pela lei, mas que caracterizam atos de alienação parental. O processo de "sequestro psicológico" praticado pelo alienador contra os familiares do genitor não convivente. Surge um processo de mimetização entre o seqüestrador parental e a criança ou adolescente com base na angústia e o medo deste perder o amor e a presença do genitor guardião, que se constitui em fonte única de afeto e segurança. A falta de ambivalência foi detectada por Gardner. A criança inicia um processo de distorção da realidade. O guardião é totalmente bom e perfeito. O genitor não convivente é totalmente mau. A criança ou adolescente não consegue avaliar de forma realista aspectos bons no genitor não convivente por ser fonte de angústia e de culpa, traindo a confiança do guardião. O denominado "fenômeno do pensador independente" é bastante comum na prática envolvendo alienação parental. O alienador comumente se expressa transferindo ao menor a responsabilidade por afirmações: "Está vendo, ele que não quer ver o pai, não sou eu que lhe impeço". Forma-se uma interação entre o menor e o alienador. A criança ou adolescente tenta passar a idéia de que suas opiniões sobre o não convivente são próprias, na tentativa de proteger o alienador.
Ao definir "qualquer conduta que dificulte a convivência", abre o legislador vasto campo de possibilidades ao magistrado na utilização do poder discricionário. Existem situações que não são atos de alienação parental. Quando a criança ou adolescente critica ocasionalmente um dos pais, sem difundir uma campanha de descrédito e não se recusa à convivência. Nos casos de adolescentes, que de forma temporária se isolam do genitor não convivente como forma de ansiedade pela separação ou por vontade própria, ou mesmo por culpá-lo pelo divórcio. Ou ainda a recusa voluntária e ocasional de convivência pela presença de um novo parceiro do genitor não guardião. O elemento identificador da alienação parental (em sua forma de síndrome), a ser regulada pela nova lei, é o impedimento ou obstrução da convivência com a indução do guardião (alienador).
A falsa acusação de abuso sexual contra o genitor não guardião, lamentavelmente, é bastante comum na prática forense e merece aqui ponderadas reflexões. Geralmente o adulto termina tendo sua identidade e seus relacionamentos interpessoais abalados pela recuperação dessa traumática e falsa memória de abuso sexual na infância ou adolescência que, graças ao alienador, acredita piamente ser verdadeira e se manifesta durante uma terapia. Esta é denominada Síndrome das Falsas Memórias (SFM) e é primariamente manifestada na idade adulta enquanto a Síndrome da Alienação Parental (SAP) é síndrome da infância ou adolescência surgida no contexto de um conflito familiar. A palavra da vitima em ambos os casos tem papel determinante nos processos judiciais, já que muitas vezes o testemunho é a única prova de incriminação. Contudo, os especialistas consideram que este testemunho pode não estar refletindo a verdade. Muitas das memórias de situações importantes de nossa vida, por mais nítidas que pareçam, podem conter distorções ou mesmo serem falsas, independentemente da certeza que se possa ter sobre elas. Quem de nós muitas vezes "jura" que vivenciou certa situação quando na verdade não passa de uma percepção ou lembrança distorcida de um fato? Cabe ao magistrado, por força da lei, a necessária cautela ao analisar relatos individuais para que graves equívocos sejam evitados em processos judiciais envolvendo acusação de abuso sexual por um dos genitores ou parentes.
É possível a reparação do dano moral sofrido pelo não guardião (Constituição Federal, artigo 5º.). A cumulação de dano material e moral quando advindos do mesmo fato é entendimento firmado por nosso Tribunal Superior (Súmula nº. 37 do STJ); a devida aplicação da Convenção sobre os direitos da Criança (aprovada pela ONU e pelo Decreto Legislativo nº. 28, de 14.09.1990); do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8.069/90) que em seu artigo 3º, preserva os direitos fundamentais da criança e adolescente como instrumentos de desenvolvimento físico, mental, moral e espiritual em condições de liberdade e dignidade e no artigo 5º, determina que a criança e o adolescente não podem ser objeto de alguma forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão sendo punida qualquer atividade ilícita atentatória aos direitos fundamentais.
A responsabilização criminal encontra guarida nos artigos 232, 236 do Estatuto da Criança e do Adolescente. Submeter criança ou adolescente sob sua autoridade, guarda ou vigilância a vexame ou constrangimento; O agente que impedir ou embaraçar a ação da autoridade judiciária, membro do Conselho Tutelar ou representante do Ministério Público no exercício de função prevista em lei poderá se apenado com detenção de seis meses a dois anos. Ressalve-se a aplicação das penalidades previstas no Código Penal, Parte Geral e Código de Processo Penal, no que couber.
A mudança de endereço do guardião com a criança é questão tormentosa e merece reflexão, pois prevista na lei especial em vigor. Caracterizado mudança abusiva de endereço, inviabilização ou obstrução à convivência familiar, o juiz também poderá inverter a obrigação de levar para ou retirar a criança ou adolescente da residência do genitor, por ocasião das alternâncias dos períodos de convivência familiar. Primeiro, fica evidente a intenção do legislador em abolir a expressão "visitas" para contemplar em definitivo o conceito de "convivência familiar", muito mais pertinente e adequado. Paulo Lôbo já afirmara ser mais correto se dizer direito à convivência (pela interpretação do art. 227 da Constituição), assegurando a companhia de uns com os outros, independentemente da separação. O direito à companhia é relação de reciprocidade. A fiscalização ou supervisão do exercício da guarda é direito e dever em prol do melhor interesse do filho. A "regulamentação de visitas" foi definitivamente riscada do ordenamento. Muito mais inclusiva e participativa a convivência familiar, que não deve ser desestimulada entre pais e filhos por ocasião da ruptura do núcleo familiar. O direito de ir e vir do guardião deve preservar os interesses superiores da criança e do adolescente não podendo servir como instrumento do impedimento da convivência. Quis o legislador destacar que a mudança não deve ser abusiva no sentido de inviabilizar ou obstruir a convivência familiar.
Situação delicada nos remete aos casos cada vez mais constantes de mudança do guardião para outro Estado brasileiro ou exterior sem o consentimento do outro genitor. O art. 2° do ECA considera criança, a pessoa até doze anos de idade incompletos, e adolescente aquela entre doze e dezoito anos. Nada mudou. A Lei da Alienação Parental se refere à qualquer conduta que dificulte a convivência de criança ou adolescente com genitor, terá o juiz ampla utilização de instrumentos processuais aptos a inibir ou atenuar seus efeitos. A mudança abusiva de endereço, inscrita no parágrafo único do art. 6°, é aquela que tenha a cristalina intenção da obstrução da convivência. No entanto, a mudança do guardião para outro município ou Estado da Federação, mesmo que justificada, normalmente se constitui conduta que dificulta a convivência da criança ou adolescente com o genitor não guardião. 
Em se tratando de viagem duradoura ou mudança para o exterior, A Lei 8.069 de 13.07.1990 (ECA), traz a possibilidade de obtenção de suprimento de autorização para viagem ao exterior no caso de um dos pais se negar a concedê-la, tratando-se de ato de império (sujeição do jurisdicionado) e de vontade (da lei) a ser praticado pelo Juiz da Infância e Juventude, nos moldes dos arts. 146, 147 e 148, parágrafo único, alínea d. Sobre a competência do Juízo da Infância e da Juventude para apreciação do presente pedido, assim se manifesta a jurisprudência:


"A competência do Juízo da Infância e da Juventude para expedir autorização para viagem de criança ao exterior, quando falta a anuência de um dos pais, decorre das regras do art. 84 e 148, IV, da Lei nº. 8.069/90". (TJMG, Apel. Cível nº. 1.0024.05.572.210.2/002, DJ. 26.04.2006, Rel. Des. Almeida Melo).
           
Nesses casos, o magistrado a fim de resguardar a efetividade das medidas elencadas na Lei da Alienação Parental pode determinar a fixação de domicílio a fim de que seja este o prevento para o julgamento das ações e nele seja considerado o local para intimações pessoais ou, para questões mais práticas como aonde buscará o genitor alienado o menor em seus dias de convivência.
A expressão "cautelar" informada no inciso VI do artigo 6º da Lei de Alienação Parental não consiste em ação cautelar, mas em medida cautelar, por sua natureza acautelatória, até porque, é dispensado tal medida incidental por força da seguinte regra trazida no Código de Processo Civil: "Art. 273. [...] § 7º Se o autor, a título de antecipação de tutela, requerer providência de natureza cautelar, poderá o juiz, quando presentes os respectivos pressupostos, deferir a medida cautelar em caráter incidental do processo ajuizado".
É necessário haver harmonia entre o império da legislação infraconstitucional (Lei 8.069/90) e os comandos constitucionais para, de modo amplo, observar o que é melhor para se manter a percepção dos interesses da infante dentro da célula familiar. O princípio do melhor interesse da criança traduz a idéia de que quando as instituições públicas ou privadas, autoridades, tribunais ou qualquer outra entidade estiverem diante da possibilidade de tomar decisões sobre crianças ou adolescentes, devem considerar aquelas que lhes sejam mais favoráveis. Significa dizer que, quando da ocorrência de conflitos de interesse entre uma criança ou adolescente e qualquer outro, os interesses dos menores devem sobrepor-se aos de outras pessoas ou instituições. O legislador constitucional ao inserir no caput do art. 227, além do Estado, a Família e a Sociedade, pretendeu dar maior amplitude possível à hierarquia de valores posta pelo princípio constitucional. Desta forma, em todos os casos em que, no julgamento de um conflito público ou privado, estiver o juiz diante de situação de oposição entre os interesses da criança e outro interesse legítimo, deverá sempre preferir o primeiro, conforme reafirmado no art. 6°. Do Estatuto da Criança e do Adolescente. 
O renomado Yussef Said Cahali (Divórcio e Separação, RT, 11ª Ed., 910) já se manifestou claramente, em clássica obra, sobre  a mudança de domicílio do guardião:


"Porém, não evidenciado propósito de dificultar ou impossibilitar o exercício do direito de visita pelo outro cônjuge, não há como impedir-se ao genitor que tem o filho sobre sua guarda de mudar de domicílio, ainda que para o exterior...Não pode o pai interferir na liberdade da deliberação da mãe, nem na sua repercussão automática sobre o domicílio forçoso da prole, sob o argumento de ter preeminência no uso do pátrio poder, ou de a mudança embaraçar-lhe o exercício do direito de visitas".


Quis o legislador preservar este princípio. 
A mudança de domicílio do guardião a que se refere a nova lei deve ser "abusiva", com a clara intenção de impedir a convivência familiar, mas não deve ser impeditivo para a formação de outros núcleos familiares em estados ou países diversos, nem impedir o direito de locomoção das pessoas. 
A atribuição ou alteração da guarda dar-se-á por preferência ao genitor que viabiliza a efetiva convivência da criança ou adolescente com o outro genitor nas hipóteses em que seja inviável a guarda compartilhada, assim determina o novel dispositivo legal:


Art. 7º. A atribuição ou alteração da guarda dar-se-á por preferência ao genitor que viabiliza a efetiva convivência da criança ou adolescente com o outro genitor nas hipóteses em que seja inviável a guarda compartilhada.


 Na lei da Guarda Compartilhada que alterou o artigo 1.584 do Código Civil, há o comando de que quando não houver acordo entre a mãe e o pai quanto à guarda do filho, será aplicada, sempre que possível, a guarda compartilhada. A informação que a guarda compartilhada será aplicada sempre que possível, numa interpretação extensiva do inciso II deste artigo, permite, em tese, que o juiz determine esta modalidade, independente do pedido das partes. A Lei da Alienação Parental alcança a discussão promovida com o advento da Lei da Guarda Compartilha e reafirma que esta deve ser a regra, sendo a exceção a Guarda Unilateral.


Art. 8º. A alteração de domicílio da criança ou adolescente é irrelevante para a determinação da competência relacionada às ações fundadas em direito de convivência familiar, salvo se decorrente de consenso entre os genitores ou de decisão judicial.


Este artigo da Lei da Alienação Parental, como bem observou Douglas Phillips Freitas[5], parece contrariar toda a estrutura processual sobre o foro competente ser o do menor, conforme o artigo 147 do ECA[6] (Lei 8.069, de 13 de Julho de 1990) e inclusive com recente súmula do STJ neste sentido[7]. Em ações que tenham por objeto a disputa de guarda de menores, preceitua o artigo mencionado ser competente o juízo do domicílio daquele que regularmente exerce a guarda do menor. A definição legal deste Juízo como sendo o competente, segue o princípio norteador do sistema protecionista do menor, qual seja, o da preservação do seu melhor interesse, com claro objetivo de facilitar sua defesa em Juízo. Bem de ver, assim, que referida lei, sendo de ordem pública, encerra definição de competência absoluta, a qual não comporta prorrogação e deve ser declarada de ofício.
No entanto, a "alteração de domicílio", a que se refere o dispositivo da nova lei, é certamente a decorrente da prática de ato de alienação parental, quando já proposta ação, visando dificultar a pretensão do genitor alienado em juízo. O presente artigo deve ser interpretado de forma sistemática com inciso VI do artigo 6º. desta lei, devendo o juiz "VI - determinar a fixação cautelar do domicílio da criança ou adolescente".
São estas as principais considerações iniciais sobre o novo dispositivo legal que, no mínimo, vem por refletores sobre um velho problema decorrente das intrincadas e sensíveis questões familiares.


Marcos Duarte: Advogado, Doutorando em Ciências Jurídicas, Presidente do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM) Ceará. Presidente da Comissão de Direito de Família da OAB Ceará

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