quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012

Falsas memórias


Maria Berenice Dias
www.mbdias.com.br
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www.direitohomoafetivo.com.br
Quem lida com conflitos familiares certamente já se deparou com
um fenômeno que não é novo, mas que vem sendo identificado por
mais de um nome: “síndrome de alienação parental” ou “implantação
de falsas memórias”.
Este tema começa a despertar a atenção, pois é prática que vem
sendo denunciada de forma recorrente e irresponsável. Muitas vezes,
quando da ruptura da vida conjugal, um dos cônjuges não consegue
elaborar adequadamente o luto da separação e o sentimento de
rejeição, de traição, faz surgir um desejo de vingança. Desencadeia
um processo de destruição, de desmoralização, de descrédito do exparceiro.
O filho é utilizado como instrumento da agressividade. É
levado a rejeitar o outro genitor, a odiá-lo. Trata-se de verdadeira
campanha de desmoralização.
A criança é induzida a afastar-se de quem ama e que também a
ama. Isso gera contradição de sentimentos e destruição do vínculo
entre ambos. Restando órfão do genitor alienado, acaba identificandose
com o genitor patológico, passando a aceitar como verdadeiro tudo
que lhe é informado.
Neste jogo de manipulações, todas as armas são utilizadas,
inclusive a assertiva de ter havido abuso sexual. O filho é convencido
da existência de um fato e levado a repetir o que lhe é afirmado como
tendo realmente acontecido. Nem sempre consegue discernir que está
sendo manipulado e acaba acreditando naquilo que lhe foi dito de
forma insistente e repetida. Com o tempo, nem o genitor distingue
mais a diferença entre verdade e mentira. A sua verdade passa a ser
verdade para o filho, que vive com falsas personagens de uma falsa
existência, implantando-se, assim, falsas memórias.
Esta notícia, levada ao Poder Judiciário, gera situação das mais
delicadas. De um lado, há o dever de tomar imediatamente uma
atitude e, de outro, o receio de que, se a denúncia não for verdadeira,
traumática será a situação em que a criança estará envolvida, pois
ficará privada do convívio com o genitor que eventualmente não lhe
causou qualquer mal e com quem mantém excelente convívio. Mas
como o juiz tem a obrigação de assegurar proteção integral, reverte a
guarda ou suspende as visitas e determina a realização de estudos
sociais e psicológicos. Como esses procedimentos são demorados –
aliás, fruto da responsabilidade dos profissionais envolvidos –, durante
todo este período cessa a convivência do pai com o filho.
O mais doloroso é que o resultado da série de avaliações, testes
e entrevistas que se sucedem às vezes durante anos acaba não
sendo conclusivo. Mais uma vez depara-se o juiz diante de um dilema:
manter ou não as visitas, autorizar somente visitas acompanhadas ou
extinguir o poder familiar; enfim, manter o vínculo de filiação ou
condenar o filho à condição de órfão de pai vivo.
Diante da dificuldade de identificação da existência ou não dos
episódios denunciados, mister que o juiz tome cautelas redobradas.
Deve buscar identificar a presença de outros sintomas que permitam
reconhecer que está frente à síndrome da alienação parental e que a
denúncia do abuso foi levada a efeito por espírito de vingança, como
meio de acabar com o relacionamento do filho com o genitor. Para
isso, é indispensável não só a participação de psicólogos, psiquiatras
e assistentes sociais, com seus laudos, estudos e testes, mas também
que o juiz se capacite para poder distinguir o sentimento de ódio
exacerbado que leva ao desejo de vingança a ponto de programar o
filho para reproduzir falsas denúncias com o só intuito de afastá-lo do
genitor.
É preciso se ter presente que esta também é uma forma de
abuso que põe em risco a saúde emocional e compromete o sadio
desenvolvimento de uma criança. Ela acaba passando por uma crise
de lealdade, o que gera um sentimento de culpa quando, na fase
adulta, constatar que foi cúmplice de uma grande injustiça.
A estas questões devem todos estar muito atentos.



FONTE: www.mariaberenice.com.br

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