terça-feira, 31 de janeiro de 2012

JURISPRUDÊNCIA

GUARDA. Superior INTERESSE DA CRIANÇA. SÍNDROME DA ALIENAÇÃO PARENTAL.
Havendo na postura da genitora indícios da presença da síndrome da alienação parental, o que pode comprometer a integridade psicológica da filha, atende melhor ao interesse da infante, mantê-la sob a guarda provisória da avó paterna.
Negado provimento ao agravo.



Agravo de Instrumento

Sétima Câmara Cível
Nº 70014814479

Comarca de Santa Vitória do Palmar
G.S.A.

AGRAVANTE
T.M.W.

AGRAVADa
M.M.W.

INTERESSADO

ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos.
Acordam os Desembargadores integrantes da Sétima Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado, à unanimidade, em negar provimento ao agravo de instrumento.
Custas na forma da lei.
Participaram do julgamento, além da signatária (Presidente), os eminentes Senhores Des. Luiz Felipe Brasil Santos e Des. Ricardo Raupp Ruschel.
Porto Alegre, 07 de junho de 2006.


DESA. MARIA BERENICE DIAS,
Presidenta e Relatora.



RELATÓRIO
Desa. Maria Berenice Dias (presidenta e RELATORA)
Trata-se de agravo de instrumento interposto por Gislaine S.A. em face da decisão da fl. 21, que, nos autos da ação de guarda provisória de sua filha Luíza S.W., cumulada com pedido de antecipação de tutela, determinou a alteração da guarda da menor a Thereza M.W., avó paterna da criança.
Alega que o seu direito à ampla defesa e ao contraditório foram tolhidos. Salienta que a perda da guarda de sua filha ocorreu por determinação judicial proferida com base no descumprimento de ordem judicial que jamais tomou conhecimento. Afirma que a menina sofreu, novamente, abuso sexual por parte do pai que ocorreu durante o período de visita daquela à família paterna. Requer seja deferida medida liminar, suspendendo os efeitos da decisão para que lhe seja restaurada a guarda de sua filha. Postula ainda a anulação de todos os atos processuais proferidos após a realização da audiência de conciliação em 14-2-2006 (fls. 2-18). Junta documentos (fls. 19-222).
O Desembargador-Plantonista indeferiu o pedido liminar (fl. 224).
A agravante apresentou embargos de declaração (fls. 226-9).
A Juíza da Infância e da Juventude prestou informações voluntariamente (fls. 231-2).
O Desembargador-Plantonista não conheceu os aclaratórios (fl. 252 v.).
Os agravados ofertaram contra-razões, pugnando pelo desprovimento do recurso e que a agravante seja condenada por litigância de má-fé (fls. 255-62).
O Procurador de Justiça opinou pelo conhecimento e desprovimento do agravo, condenando a recorrente às penas da litigância de má-fé (fls. 419-24).
É o relatório.
VOTOS
Desa. Maria Berenice Dias (presidenta e RELATORA)
Nos autos da ação de guarda provisória da menor Luíza S.W. intentada pela avó paterna da criança, cumulada com pedido de antecipação de tutela, a alteração da guarda deu ensejo ao presente agravo.
Afirma a recorrente que a filha sofreu novo abuso sexual por parte do pai durante o período de visita à família paterna. Assevera que a perda da guarda de sua filha ocorreu por uma determinação judicial proferida com base no descumprimento de ordem judicial que jamais tomou conhecimento.
Luíza conta, atualmente, seis anos de idade (fl. 334) e desde os 2 anos e 10 meses a genitora denuncia supostos atos de abusos sexuais levados a efeito por seu genitor, o que ensejou o ajuizamento pelo Ministério Público de ação de destituição do poder familiar e de processo-crime, que ainda encontram-se em tramitação.
No entanto, esta Câmara, por meio do julgamento do Agravo de Instrumento 70009968983, garantiu o direito de visitas do genitor, e na Apelação Cível 70011465523, assegurou o mesmo direito à avó e tios paternos. Nas duas oportunidades foi aplicada medida de proteção à mãe e à filha, a fim de salvaguardar a integridade física e psicológica da infante. Inclusive, no julgamento do AI 70009968983, em 1º-12-2004, foram realizadas recomendações à origem, para que a genitora fosse alertada que seu comportamento poderia futuramente ensejar a alteração da guarda de sua filha, nos seguintes termos:
Impõe-se realizar, ainda, duas recomendações à origem: a) de que sejam realizadas perícias psiquiátricas que avaliem o pai, a criança e a genitora, no intuito de melhor instruir o feito; e b) de que a mãe seja advertida no sentido de buscar auxiliar emocionalmente filha, seja deixando de criar empecilhos psicológicos à criança, com relação às visitações, seja evitando a criação de imagens negativas na mente da infante, com relação ao pai e aos familiares paternos. O fato de a agravante, conforme bem menciona a decisão guerreada, não estar ...agindo no melhor interesse da filha... (fl. 32). Assim, necessário que seja a genitora advertida de que sua postura pode vir a influenciar até mesmo futura definição de guarda.

No início do mês de fevereiro deste ano, a genitora realizou nova denúncia de abuso que teria sido realizada pelo genitor em uma das visitas da infante à família paterna. Determinada audiência de conciliação (fls. 54-55) e posteriormente a realização de novo estudo social, foi fixada visita da criança à familia paterna acompanhada de Assistente Social em 19-2-2006. Na data aprazada, a recorrente não levou a infante, tampouco entrou em contato com a família paterna para que providenciasse o transporte. Embora alegue a agravante não ter conhecimento da determinação da visita, aportaram aos autos informações prestadas pela magistrada e pelos servidores da Comarca de Santa Vitória do Palmar (fls. 238-243) demonstrando que a genitora possuía pleno conhecimento da visita agendada.
Em decorrência dos fatos e dos relatórios apresentados pela Assistente Social é que a magistrada concedeu a guarda provisória à avó paterna (fls. 20-21):
(...) através dos relatórios da Assistente Social Valdeci, contata-se que a autora tem condições de cuidar da neta, que ambas têm vínculos afetivos e que a menina fica bem quando está na companhia da autora.
Tudo isso, somado ao fato de que existe a possibilidade de o pai ter praticado os abusos sexuais contra a filha (o que está sendo apurado em processo criminal e ação de destituição do poder familiar) e do fato de que, segundo perícias psicológicas realizadas e os relatórios acima mencionados, a mãe está causando prejuízos ao desenvolvimento sadio da filha, havendo suspeitas de que até tenha inventado e orientado a menina a mentir que o genitor teria praticado o abuso, esta magistrada é obrigada a concordar com a representante ministerial quando afirma que a pessoa mais indicada a cuidar de Luíza neste momento é a avó paterna.

Imperioso destacar alguns trechos dos relatórios apresentados pela Assistente Social Valdeci G. Campos (profissional que acompanhava a infante em suas viagens da cidade de Santa Vitória do Palmar até a cidade de Pelotas para realizar as visitas à família paterna), nos autos da ação de destituição do poder familiar ajuizada pelo MP, em 29-8-2003, n° 1467-115/2003, em face do genitor Marcelo M. W.:
Relatório 16/2005, elaborado em 18-6-2005 (fls. 379-380):
A pedido de Luíza, brincamos de “mãe e filha”; onde ela era “minha mãe” e eu a “filha dela”, durante a brincadeira ela me dizia que eu (a filha) teria que ser uma filha boazinha, se não ela (a mãe) iria morrer e “eu iria morar com uma família muito ruim. Seria a família do meu pai e que meu pai ia colocar o dedinho na minha bundinha e no meu xixi”. Após falar isto, ela me beijou e disse: “Não é verdade! É minha mãe Gislaine que me diz isto quando eu não obedeço”. E mudamos a brincadeira.

Relatório 21/2005, com data de 27-8-2005 (fl. 390):
(...)ela [Luiza] alterna momentos de extrema felicidade com momentos de tristeza, chora e xinga todo mundo: “vocês querem me tirar da minha mãe”. Continuo preocupada , desde que aceitei o caso, com as condições psicológicas da Luíza. (...) Quando a Luiza viaja comigo ela chega mais tranqüila, ela conversa o tempo todo, conta da escolhinha, das coleguinhas, da mãe, etc., pede para que eu não conte que ela “ama o pai” porque sua mãe fica “muito braba”.

Relatório 22/2005, realizado em 9-9-2005 (fl. 391):
A menina brinca, corre, abraça e beija o pai, quando lembra pede que eu “não comente com a fada” pois sua mãe diz que ela “só é amada pela mãe e só pode amar a mãe. A menina disse: “eu amo meu pai mas digo para minha mãe que não gosto, para ela não me bater”. (...)

No relatório 24/2005, com data de 7-10-2005 (fls. 396-397), após ter passado alguns dias na casa de sua avó paterna, com ótimo relacionamento com os familiares, inclusive chorando abraçada ao pai e solicitando ficar mais alguns dias em sua companhia, a infante na viagem de retorno solicita à assistente social:
por favor não coloca no relatório que eu chorei [para ficar], que eu estava feliz, diz que eu chuto minha avó, que bato no Felipe [primo], porque se não minha mãe fica braba e todos os dias me fala o que tu colocou no relatório.

Relatório 25/2005, de 5-11-2005 (fl. 399):
O que posso perceber é que a menina demonstra muito medo de sua mãe, diz que “não pode conversar comigo pois a mãe diz ter um anjo que lhe conta tudo”, isso intimida a menina tanto, que perto de chegarmos em Santa Vitória ela começa a ficar agitada e apreensiva, fala no meu ouvido com medo que o “anjo possa ouvir”.

Relatório 28/2005, elaborado em 3-12-2005, (fls. 403-404)
Luiza chorava muito e não queria ir comigo, queria que a mãe fosse junto. Como não parava de chorar, falei com a Srª Gislaine para que ficasse com a menina, pois estávamos atrasando a saído do ônibus. (...) O episódio do embarque me pareceu ter sido provocado pela mãe de Luiza, que continua fazendo uma espécie de “terrorismo psicológico” pois, além de dizer para filha que “faltava pouco para que esta situação se resolva e ela não vai precisar ir mais”, a mãe levou a Luiza para a rodoviária acompanhada de babá com as duas filhas pequenas, a Luiza chorava e dizia que “a mãe e as meninas vão tomar sorvetes e brincar com meus brinquedos”. Cinco minutos depois que saiu o ônibus ela já não chorava mais. Falou-me que ela “queria ir para casa da avó, mas se a mãe descobre ela me bate”, ou seja, na frente da mãe (possivelmente por medo) a Luiza chora e diz que não quer ir, longe da mãe ela se solta e fica feliz em viajar, mas aí também fica com medo porque a Assistente Social vai contar, “nos papéis ou no relatório”, que ela está feliz. Ela disse ainda: “tenho que fazer isso (chorar), dizendo que não quero vir porque se não a minha mãe me bate e me xinga, diz que eles vão me levar embora e eu não vou mais ver ela. Ela não gosta da gente do pai, por isso tenho que chorar para não vir”.

Verifica-se que a conduta da genitora indícios do que a moderna doutrina nomina de “síndrome de alienação parental” ou “implantação de falsas memórias”, o que, segundo os estudos do psiquiatra americano Richard Gardner, trata-se de verdadeira campanha desmoralizadora do genitor, utilizando a prole como instrumento da agressividade direcionada ao parceiro.
Com isso, a criança é levada a rejeitar o genitor que a ama e que ela também ama, o que gera contradição de sentimentos e a destruição do vínculo entre ambos.
O filho acaba passando por uma crise de lealdade, pois a lealdade para com um dos pais implica em deslealdade para com o outro, tudo isso somado ao medo do abandono. Neste jogo de manipulações todas as armas são válidas para levar ao descrédito do genitor, inclusive a assertiva de ter sido o filho vítima de abuso sexual.
Como bem colocado pela Promotora de Justiça da Comarca de Santa Vitória do Palmar, Drª Daniela Silveira Timm, os laudos juntados, por assistente social e psicóloga, denotam uma abuso psicológico da menina por parte de sua mãe. Há, então, de forma concreta, um abuso da filha pela requerida (fl. 100-101). É patente que este abuso está colocando em risco a saúde emocional da infante.
Diante deste dilema, e da dificuldade de identificação da existência ou não dos episódios denunciados, é imperioso analisar o caso com cautela redobrada.
A infante, que se encontra com a guarda provisória de sua avó paterna desde 28-2-2006 - fl. 156v., está matriculada em escola na cidade de Pelotas (fl. 264) e se encontra em tratamento psicoterápico, apresentando resultados positivos (fl. 265).
Conforme verificado nos autos, a menina está totalmente adaptada à família paterna, e, permanecendo a avó com a guarda se estará zelando para que possa a infante desenvolver-se de forma sadia, sem a probabilidade de que ocorram maiores danos psicológicos em sua formação, evitando assim uma maior deterioração psíquica, para que, não se concretize o que alerta a diligente Assistente Social, e possa futuramente tornar-se uma adulta provavelmente insegura, falsa e fria (fl 404).
Assim, em decorrência das temerosas atitudes apresentadas pela genitora na condição de guardiã, e em atenção ao princípio do melhor interesse da criança, mostra-se razoável que, por ora, a guarda seja mantida com a avó paterna, conforme decidido pelo juízo a quo.
Nestes termos, nega-se provimento ao agravo.


Des. Luiz Felipe Brasil Santos - De acordo.
Des. Ricardo Raupp Ruschel - De acordo.

DESA. MARIA BERENICE DIAS - Presidente - Agravo de Instrumento nº 70014814479, Comarca de Santa Vitória do Palmar: "NEGARAM PROVIMENTO. UNÂNIME"


Julgador(a) de 1º Grau: CRISTINA NOZARI GA